No outspeak desta semana, Olavo de Carvalho fala de um autor, Mário Vieira de Mello, que em "O Problema do Estetismo no Brasil" (1963) - há mais de quarenta anos - identificou um problema-chave em nosso desenvolvimento civilizacional: O estetismo.
Na internet, encontrei um resumo desta obra. Em sua leitura, principalmente, nos "sintomas" do estetismo nós, brasileiros, temos um raio-x de nossa miséria intelectual.
Também responde de maneira certeira à indagação sobre o motivo de um debate tão relevante ter sido silenciado desde os anos 80. Coincidentemente, durante o período de "redemocratização" do país.
Claro, a guinada à esquerda e a ascenção do politicamente correto no país, fizeram a análise de Mario parecer "reacionária".
O silêncio (dos inocentes?) só foi quebrado oficialmente em 1996 com a publicação do "Imbecil Coletivo".
Abaixo reproduzo o texto de Sergio Pereira da Silva (grifos meus).
Por quem e por que foi silenciado o debate sobre o estetismo, na cultura brasileira?
"Mas, afinal, o que é o estetismo?
Algumas coisas nos vêem à mente para caracterizá-lo: seria fazer para inglês ver; seria o grande empenho retórico no ponto de partida dos projetos e perda desse empenho ao longo do mesmo, até culminar o tempo do projeto, sem que os objetivos tenham sido alcançados; seria um grande empenho na aparência (primeira capa) dos trabalhos e fragilidade ou superficialidade no conteúdo e extensão dos mesmos; seria excessiva ornamentação nos projetos de estudo, de ensino e improviso na sua implementação; seria leitura superficial e panfletária, assim como ausência de aprofundamento nas questões polêmicas, sejam políticas, culturais ou científicas, em função da crença de que a ornamentação do enfoque (o fazer-de-conta-que-se-faz) e intenção alardeada, bastam; seria a presença física em sala de aula, ou através da assintura no trabalho em grupo, como condição suficiente (ornamentação) e legitimadora da aprovação no curso, na disciplina; seria ainda o cristalizado “ethos” de que a intenção é suficiente e de que a não conclusão dos empenhos é devido às determinações, quase sempre macro e, portanto, alheias à força de vontade do indivíduo etc..
Esse estetismo não aparece somente nas práticas discentes. Para cada ação do discente há uma correlação estimulante nas práticas docentes e conivência dos gestores da educação. É, portanto, um fenômeno cultural, não há culpados individualizados no ponto de chegada desse fenômeno cultural. Como fenômeno cultural, não há uma consciente intencionalidade que organiza e implementa essas posturas e atitudes.
De onde vem esse estetismo? Regis de Morais (Cultura Brasileira e Educação,2002); Mário Vieira de Mello(O conceito de uma Educação da Cultura1980 e Desenvolvimetno e Cultura – O problema do Estetismo no Brasil,1986) culpam os portugueses, sua colonização de exploração e sua superficial acolha do estetismo renascentista italiano. Os portugueses teriam se apropriado do estetismo via França, não beberam direto das fontes italianas. Além disso, são famosas a incompetência e superficialidade lusitanas na compreensão e apropriação da densa filosofia européia.
Para estes autores, nossos primeiros acadêmicos, na “República dos Bacharéis”, foram os juristas, formados em Portugal, inclusive estes juristas eram responsáveis pelas primeiras aulas de Filosofia no Brasil. Ora, com o brilho retórico e espetaculoso, que tem sido o timbre das escolas e grupos jurisconsultos no Brasil, não é de se admirar que nossos primeiros professores universitários trouxeram, de Portugal, os germes do estetismo no interior de suas boas intenções formativas. Para esses juristas, o belo antecedia em valor moral ao verdadeiro, o empolgante ao idôneo, o brilho à seriedade, a complacência ao rigor. O conceito de estética de Mello e Morais é inspirado em Kierkegaard, filósofo dinamarquês e difere da versão nietzschiana correspondente.
Essa cultura educacional estetizante, segundo Morais e Mello, recebeu o reforço de uma emergente nação sem consistentes bases éticas. Esses autores acusam o catolicismo brasileiro de fragilidade ética enquanto os protestantes de outras colônias eram mais rigorosos nesse quesito. De fato, são famosas as diferenças entre a ética protestante e a católica no que diz respeito ao modo de lidar com as coisas desse mundo, com os valores de conduta, com a interferência nos desafios cotidianos de subsistência, de produção, de colonizar para construir uma nova pátria (em vez de explorar e pilhar a colônia em proveito da “Metrópóle”), dentre outros desafios imanentes.
Desse modo, nosso Brasil “ocidental”, rescém-emancipado de Portugal, nasceu num contexto imoral, habituado a exemplos de pilhagem, superficialidade, descontinuidade e fragilidade nos projetos sociais. Nasceu sem raízes fincadas nos mananciais éticos forjados pelas grandes e seculares culturas européias. De lá prá cá, modismos e descontinuidade se alternam e somos cada vez mais espetaculosos, histriônicos e superficiais. Nosso empenho e rigor tem fôlego curto porque o espetáculo da nossa retórica já nos satisfaz; nossa catarse, numa cultura estetizante, já basta por si só.
A argumentação desses autores não pode ser resumida nessas breves linhas sem que contradigamos ou superficializemos suas idéias, mas o essencial é isso: não somos sérios, somos superficiais em quase tudo que fazemos e o motivo é nossa colonização cultural, sem a vontade/intenção do colonizador de projetos a longo prazo, sem consistência ética na cultura de exploração desse colonizador.
Pôxa!! Que banho de pessimismo desses autores em relação à nossa brasilidade! É quase uma difamação. Difícil é afirmar que eles não têm alguma razão no que dizem e, mais difícil ainda, é ignorar ou negar que, nos trabalhos acadêmicos e científicos e demais atividades na universidade, agimos tal qual descrevem.
Inspirados nesses autores, concluímos que carecemos de um “choque cultural”, uma espécie de quimioterapia cultural, porque seria algo arrojado, com danos colaterais, mas imprescindível. Nos mais diversos espaços sociais: família, igreja, sindicato, escola, universidade, nas ruas, nos shopping centers, na tv, no rádio, na internet etc.., precisamos fazer a catequese ética dos cidadãos. Mostrar, com exemplos concretos, que precisamos mais ser éticos do que estéticos, na perspectiva que foi descrita.
Finalmente, cabe indagar: por que esse debate relevante e pertinente, da década de sessenta e setenta foi calado, ignorado nas décadas de oitenta e noventa do século passado? Uma resposta provável e plausível é a de que o marxismo emergente, nos debates acadêmicos na segunda metade do século XX, profundamente estetizante na sua versão brasileira, aliado ao poder do catolicismo na vertente tradicional tanto quanto na “Teologia da Libertação”, também impregnado de práticas estetizantes, estigmatizaram as análises de Mello (em quem se inspira Morais especificamente nesse tema) como sendo “moralistas e reacionárias” e lograram o êxito político de expulsá-las do debate cultural, pedagógico e político hegemônicos. Qualquer que seja a resposta à pergunda que intitula esse breve texto, urge recuperarmos esse debate como mais uma perspectiva a contribuir na compreensão da nossa brasilidade e sua implementação nas práticas educacionais."
Prof. Sérgio Pereira da Silva - UFG- Catalão
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