As reações ao encerramento das atividades de um importante veículo conservador – o Primeira Leitura - merecem uma análise mais aprofundada.
Os leitores devem ter notado que lanço mão do termo "conservador" e não "neo-conservador" ao PL, como uma boa parte da mídia costuma referir. Minha concepção é que o fenômeno é uma completa novidade no Brasil. Então, por si próprio, o conservadorismo tardio nacional é uma novidade. Não necessita de prenomes nem adjuntos.
"Conservadores" com o sentido de quem conserva alguma coisa existem aos borbotões: conservadores de poder, de status quo, de tradições, de costumes... Mas o atingimento da própria essência do que é o conservadorismo é a grande novidade. O que seria isso? É conservação de um conjunto de conhecimentos que buscam definir o que é o ser humano: Sua relação com Deus e com o mundo e os graus de hierarquia natural desta relação, incluindo nossa natureza humana dualista em eterna tensão na busca do equilíbrio.
Este conjunto de conhecimentos traduz uma sabedoria apreendida de maneira mais ou menos natural e espontânea – pelo menos durante boa parte da história da humanidade – e por isso já foi descrito como "senso comum" ou como a "vox-populi" que representaria a voz de Deus.
Deus não aparece por acaso aqui. Sua concepção é um sub-produto notável dos desdobramentos advindos da percepção do Deus único: É a própria tradição Judaico-Cristã.
Mas vivemos tempos diversos. A disseminação destes valores de forma espontânea terminaram.
Hoje ela reaparece novamente como um valor palpável a partir da busca do homem pelas próprias bases de sua consciência. A questão da realidade, do que é real ou palpável novamente reergue-se no horizonte – em meio a um mundo completamente relativista e portanto inatingível -, refazendo a cadeia histórica do que Olavo de Carvalho define como "projeto Socrático". Todos sabemos como isso irá terminar: em Aristóteles e seus links quase indissolúveis com a tradição cristã.
Desculpem pela introdução verborrágica, mas contar uma , apenas uma verdade, ou pelo menos desmascarar uma inverdade flagrante nos dias de hoje exige muita, mas muita definição sobre exatamente o que se está falando.
O que quero discutir é a citação do término da PL no site vermelho "vermelho.org". Lá foi referenciado o caso PL como sendo a morte da uma tal "direita inteligente". Os vermelhos em questão ainda perpetram um simulacro de "luto" pela morte do projeto de forma quase tocante.
Sniff.
Mas a realidade é um pouco diferente: Para o pessoal da esquerda deve-se lembrar que já diziam que "burguês bom é burguês morto", o que equivale a dizer "direita inteligente é direita morta". Vocês lembram de algum elogio a Paulo Francis quando ele ainda estava na ativa? É claro que não! Francis só virou "unaminidade" depois de morto. Aí ele virou o espantalho favorito para denunciar qualquer direitista mais recalcitrante. "Nunca será um Paulo Francis" é uma frase muito freqüente, seja para criticar um Diogo Mainardi, seja para Olavo de Carvalho, mas é completamente mentirosa em sua vacuidade. Pois nossos amigos não sabem do que estão a falar.
Infelizmente não posso dizer que já houve em algum tempo uma esquerda inteligente para tecer comentário equivalente. Todos os seres inteligentes da esquerda a esta altura já passaram para a direita. Podemos dizer que a direita então é a esquerda que "passou de ano". Ou melhor, seria a esquerda "progressista" (a única possível).
Mas um pouco além disso, tornar o caso Primeira Leitura um símbolo da decadência ou derrota da direita é um pouco demais.
Vamos aos fatos.
O naufrágio do projeto Primeira Leitura exige, com o perdão do trocadilho, duas leituras:
a) É um projeto de negócio como outro qualquer, sujeito às leis do mercado ( o que não se aplica à maioria dos projetos da esquerda, uma vez que até para depredar o Congresso existe verba a fundo perdido garantida pelo governo federal). Outro ponto é que "mercado" em nosso país se torna a cada dia uma quimera.
Que empresário (suicida?) irá financiar um projeto nitidamente oposicionista quando os PT-bulls (termo cunhado pela revista Veja) estão a postos para as represálias padrão?
Nesta seara há de se levar em conta que o PL nasceu como um veículo do PSDB. Dentro desta visão havia um financiamento garantido. Quando houve um descolamento do projeto PSDBista – no momento que Reinaldo Azevedo assumiu o controle da redação e mais recentemente quando ele se deu conta do mutualismo entre PT-PSDB – ficou claro que um projeto caro, englobando site+revista mensal, era demasiado oneroso para veículo independente. Eis aí as razões do naufrágio. O PL ficou fora do seu projeto ou escopo original, mas tentou manter o tamanho.
O fato de Reinaldo investir num projeto mais pessoal, como o blog que anunciou para breve, significa a volta a uma iniciativa individual, a uma visão individual de mundo.
b) O quanto isto é significativo para o incipiente movimento conservador nacional? Não muito, em minha opinião. Como demonstrei no parágrafo anterior, quanto mais independente de coloração partidária e quanto menos socialista for um projeto, menos financiamento ou verba publicitária ele terá no Brasil. O "Mídia" Sem Máscara é um exemplo disso. Sobrevive desde o seu nascimento com doações e iniciativas pessoais. Ele mesmo é um exemplo de como movimento conservador vem crescendo em influência.
Hoje o MSM é um site respeitado e já virou regra, deixar para trás os vermelhos da vida nas votações de melhores da internet nacional. A importância do MSM é que pode ser medida como um grau de maturidade do conservadorismo no Brasil.
O primeiro seminário patrocinado pelo "Mídia", chamado "Seminário de Democracia Liberal" realizado em São Paulo no mês de maio mostra esta maturidade e importância. Deste evento participaram algumas das figuras mais importantes da cena conservadora da América.
É claro que a cobertura do evento foi mínima. Mas sua influência é que conta.
O MSM não trava grandiosas batalhas, mas sim uma guerra de guerrilha - aquela mesma que a esquerda tece loas há mais de três décadas, sem que tivesse tido, efetivamente, um décimo da persistência com que o "Mídia", há mais de quatro anos, combate.
Quanto ao Reinaldo, bem-vindo à guerrilha!!!