quarta-feira, dezembro 21, 2005

Abaixo a lógica II - a volta

Depois de meu último artigo, me dei conta de que nesta semana completei longos 19 anos desde que eu me formei na faculdade de Engenharia Mecânica da UPF (Universidade de Passo Fundo). Portanto a lógica matemática é parte fundamental da minha trajetória profissional.

Uma bela ocasião para acertar as contas com esta velha conhecida. Afinal juntado aos seis anos de preparação, somam-se 25 anos de convívio com os esquemas lógico-racionais da engenharia. Sempre uma convivência bi-polar.

Como aqui revelei minha área de atuação profissional - a engenharia - não tenho como não deixar de falar sobre os arquétipos mais conhecidos do engenheiro:

  • Estão sempre no mundo da lua, aliás no mundo dos cálculos e especulações matemáticas.

  • Têm um pensamento 'cartesiano' por excelência.

  • Pouco ou nenhum interesse pelas ditas 'ciências humanas' tais como línguas, (a não ser um inglês macarrônico nível técnico 1 yázigi – especializado em leitura de manuais) história ou filosofia.

Apesar de minhas eternas diferenças com o curso (confesso: escolhi a engenharia pelo meu gosto pelo desenho!) acabei descobrindo a beleza da lógica matemática. Principalmente quando descobri que ela poderia ser tão abstrata quanto uma pintura de Kandisky.


Mas a maior contribuição da engenharia para mim – fora a beleza inata de uma equação de Navier-Stokes (a mecânica dos fluídos foi a coisa mais genial que aprendi na universidade) – uma vez que ela me proporcionou o ingresso à universidade, foi a descoberta da porta da biblioteca.


Não me entendam mal mas o curso me obrigava a passar horas e mais horas enfurnando na biblioteca a buscar bibliografia para solucionar equações. Para relaxar um pouco do cálculo, eu me aventurava pelas outras estantes.


Foi ali que eu pude reencontrar minha própria história intelectual – depois de um hiato de 10 anos perdidos em leituras de coisas como "Mad" e "Homem-Aranha" - quando buscava na biblioteca da escola por obras do Monteiro Lobato e Júlio Verne. Mas agora meu apetite era outro: História das idéias, Bauhaus, Le Corbusier, Jack Kerouac, Kafka, Orwell, Albert Camus e os meus favoritos Dostoievski, Hesse, Wells e Wilde. E também um panorama dos movimentos de arte vanguardistas do princípio do século vinte como dadaísmo, futurismo, pontilhismo, cubismo, fauvismo, surrealismo, todos detonados com a ascenção irresistível do impressionismo no século anterior.

Mas todo este movimento de fluxo e refluxo de influências, entre o dever da matemática e o prazer sensorial intelectual da literatura e da pintura, acabou por esculpir-me um perfil híbrido, uma construção arquitetônica atípíca onde o onde equilíbrio é fundamental.


Mas para isto devo muito à minha metade 'engenheiro' e sua visão utilitarista da lógica. Esta mesma influência da lógica pode ter efeitos muito benéficos no tempo. Uma delas – a mais notável – é que o ensino da engenharia ainda está livre da influência marxista. Ainda não foi criada uma "engenharia social" pelo menos não nestes termos, apesar de toda prática do socialismo dito científico ser rotulado como 'engenharia social' sua similitude com a prática de engenharia termina por aí.


Outro fato importante é que – por mais que tentem dizer o contrário – o número de engenheiros formados em cada país é considerado um indicador confiável da tendência de crescimento econômico deste país. Ironicamente, apesar de muitos notórios esquerdistas serem engenheiros, no final os engenheiros são, pela própria natureza de sua 'praxis', um sólido alicerce à sociedade industrializada que é, por sua vez, é o sustentáculo maior do capitalismo. Capitalismo sem indústria não existe. E para uma indústria existir...


Talvez esteja aí um dos fatores que me levaram a ficar longe das teorias mais coletivistas. Sinto que a lógica teve papel central nesta conseqüência. Mas ela somente não faz milagres. Sem uma boa base de valores e sem a preocupação com equilíbrio das partes ela sucumbiria ao mundo sensível, ficando subjugada a ele. A lógica por si só não estabelece as premissas, e se deixarmos ela chegar à tanto, só vai estabeler premissas que possam ser perfeitamente medidas e avaliadas , o que resultaria num reducionismo pueril.


Um episódio ilustra a influência da engenharia em desfazer a hipnose coletivista. Tive a grata surpresa de encontrar meus antigos colegas e professores dos tempos da faculdade recentemente. Um de meus professores - coincidentemente o que era responsável pela disciplina de mecânica dos fluídos com seu Navier-Stokes – era conhecido ao tempo da faculdade como "comunista". Havia sido detido pelos serviços de inteligência do regime militar. Ao aproximar-me dele veio a pergunta fatal: "Continuas comunista?" e a grata resposta: "Não! Não sou comunista desde 1983. A esquerda perdeu totalmente o rumo . Aprendi que não é pela política que se muda a sociedade e sim o indivíduo, sua família e a manutenção de valores positivos é que podem mudar a sociedade. O sentido do movimento é inverso. Não é do social para o indivíduo; É do indivíduo para o social." Continuou: "Hoje o ensino no país está arruinado Dou graças a Deus em poder lecionar um assunto técnico, sem influência do esquerdismo. Tenho pena dos que hoje tem de cursar alguma faculdade na área de ciências humanas e ter de agüentar ideologia vendida como educação. As pessoas desaprenderam a pensar".


O que eu posso concluir é que meu antigo mestre trilhou o caminho do bem, mas só seria possível numa faculdade como a de engenharia. Qual seria o impacto de tal transformação se o mestre lecionasse história , por exemplo? Provavelmente enfrentaria grandes conflitos, pois é uma disciplina que tem seu tour-de-force em Marx e Hegel.


Apesar de tudo, a lógica ainda é um caminho de saída do vícios mentais, mas na exata medida em que ela mesma não se transforme em outro vício. Talvez a grande descoberta ainda oculta sobre a natureza do universo não seja a da infalibilidade da matemática newtoniana ou mesmo pós-newtoniana, mas a percepção de que o arranjo universal das coisas segue sobretudo uma 'lógica' artística.


Talvez por isso mesmo que eu goste muito mais de um M. Escher ou William Turner com suas obras que despertam a mesmo tempo a curiosidade e o prazer sensorial intensos do que um projeto de desenho mecânico no AUTOCAD 2006 for windows XP.