quinta-feira, março 17, 2005
Razões para ler "Seleções do Reader´s Digest"
Este artigo foi publicado no mesmo ano na edição nacional da "seleções".
Aqui no meu blog, vez por outra eu publico algum trecho de matéria extraído da revista.
Encontrei no site do National Review uma grande justificativa para ser assinante desta revista. Leiam este trecho:
John J. Miller on National Review Online: ”Imagine, if you will, someone who read only Reader’s Digest between 1950 and 1970, and someone in the same period who read only The Nation or The New Statesman,” said the late Susan Sontag in 1982. “Which reader would have been better informed about the realities of Communism? The answer, I think, should give us pause. Can it be that our enemies were right?"
Em bom português: enquanto a intelectualidade achava suspeito e "demodé" qualquer ataque ao mundo comunista, a boa e velha "seleções" continuava firme em suas convicções (conservadoras) da natureza maligna do comunismo - como na reportagem sobre o contra-golpe de 1964.
Quem leu somente o "Reader´s Digest" ao invés dos veículos tradicionais da intelectualidade, como citado pela falecida Sontag, acabou tendo uma visão absolutamente correta do mundo.
Os "inimigos" (nós, os conservadores) estavam corretos...
Uma sólida razão para manter minha assinatura.
quarta-feira, março 16, 2005
Resultado de 20 anos de "re-democratização" do Brasil: de volta a 1964 ...
Há 20 anos encerrava-se melancolicamente o regime militar. Com o final do governo Figueiredo notamos, infelizmente, que o regime surgido heroicamente em 1964 havia se transformado numa caricatura de si mesmo. A essência dos ideais de 1964 estava perdida há muito. O país havia se desviado da rota virtuosa em algum ponto entre o final do governo Médici e governo Geisel. Figueiredo foi apenas uma conseqüência – agravada por sua falta completa de “phisique du role” para o papel de primeiro mandatário do país – da falta de rumo prenunciada anteriormente.
Parecia que em nossa corrida com bastões, ele havia caído há muito pelo chão, extraviado, mas os corredores continuavam a correr. A esmo.
A elevação do caráter caricatural do regime militar após a metade dos anos 70 e durante os 80 começavam a incomodar: coisas como a existência de um órgão de censura federal completamente inócua (alguém lembra das proibições sem sentido de "Je Vous Salue, Marie" ou "Laranja Mecânica"?) , estatismo sufocante (especialmente a partir de Geisel) e, com Figueiredo especialmente, a total falta de um diálogo construtivo com a sociedade ("me esqueçam!") fizeram o apoio ao regime de 64 ir definhando pouco a pouco. O insucesso econômico simbolizado pelo recorde de 100% de inflação em 1980 sugou o restante de credibilidade do regime.
O regime militar em 1985, aos 21 anos, cambaleava. Mas, para provar que nada é tão ruim que não possa ser piorado, em 1984 a eleição indireta elege Tancredo Neves. Que não assume, deixando a cargo de José Sarney a façanha de ser o primeiro presidente civil do país em vinte um anos.
Temos dois hemisférios aí, dois períodos de aproximadamente 20 anos, um do regime militar, outro de democratização do país.
Colocá-lo lado a lado pode ser útil para avaliarmos um balanço destes períodos que de alguma forma nos trouxeram até aqui.
Em 1964 o país estava à beira do caos. O movimento de reação teria de ser de reconstrução do tecido social e da racionalidade econômica.
Já em 1984/85 o país respirava democracia. A esquerda começava a ganhar corações e mentes, aproveitando o fracasso econômico do regime nos anos 80. Democracia era o “sonho de consumo” de nossa sociedade e parecia que “democracia” bastava para fazer este país concretizar os seus ideais de grandeza. Era a resposta à recessão da primeira metade dos 80. Da inflação recorde de três dígitos. O romantismo democrático atingia o seu ápice.
Sarney incorporou o personagem como poucos. Acreditou piamente em sua interpretação e o elevou ao nível expressionista. O "porre" de democracia e de auto-suficiência da época teve o seu ápice no Plano Cruzado: para curar a febre inflacionária, resolvemos que quebrar o termômetro era a solução. Teve mais ainda: em 1987 a moratória, em 1988 a constituinte "cidadã".
Balanço: enquanto o regime autoritário iniciado em 1964, apesar dos altos e baixos, deixou os saldos positivos inegáveis como o de ter elevado o país a um grau de desenvolvimento/geração de riquezas inéditos até hoje além o de ter entregado o poder aos civis de forma planejada e pacífica (que poderia ser encurtado), o processo de redemocratização não tem o mesmo currículo a exibir.
Em vinte anos “avançamos” para chegar exatamente ao ano de 1964: os hemisférios se encontraram na linha do equador. A grande diferença é que na época sabíamos que o futuro daquele regime “democrático” era o totalitarismo. Hoje infelizmente a sociedade brasileira se deixou levar de roldão pelo flautista de Hamelin. O brasileiro crê piamente que vivemos em um regime ostensivamente democrático, a despeito dos fatos como o de na última eleição presidencial TODOS os candidatos serem de esquerda e até das denúncias de financiamentos ilegais de campanhas eleitorais por movimentos narco-terroristas.
E pensar que na época saudei a volta da “democratização” ao país. Pelo menos, posso me vangloriar de nunca ter sido um “Fiscal do Sarney”.
1964 - Jogo de Intrigas (Parte I) : A fraude da participação americana no “golpe”.
Praticamente todos os livros, artigos e estudos sobre o regime militar do Brasil (64-85) apontam com dedo acusador para a CIA e o governo americano como os verdadeiros criadores do golpe.
Um exemplo está em http://www.espacoacademico.com.br/034/34ebandeira.htm onde o cientista político Moniz Bandeira [autor de O Governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil (1961-1964)] comenta as operações americanas de “desestabilização democrática” na América Latina: “Essas operações tipificam a técnica do golpe de Estado, que a CIA desenvolveu e aplicou no Brasil e em diversos países da América Latina, nos anos 60 e 70 do século XX, radicalizando, artificialmente, as lutas sociais, até ao ponto de provocar o desequilíbrio político e desestabilizar governos (spoling actions), que não se submetiam às diretrizes estratégicas dos Estados Unidos.”
Tudo o que é publicado no Brasil segue esta linha pré-estabelecida, de culpar os Estados Unidos como o “autor intelectual” do “golpe de 1964”. Nesta versão não existia guerra fria, não existiam ações da inteligência comunista agindo no país. Por quê esta cuidadosa limpeza das digitais vermelhas no local do crime? Simples: os vencidos daquela época agora são a elite intelectual que domina a opinião pública, os “formadores de opinião” e quase a totalidade da mídia. Há décadas. Seu empenho em modificar a história para a obtenção de dividendos eleitorais, morais e até pecuniários (vide o escândalo em que se transformou o caso das indenizações aos “torturados” do regime militar) é espantoso. Mas apesar de tudo ainda é possível obter alguma verdade sobre este período crucial de nossa história.
A “versão oficial” dá conta que o Brasil era um país soberano, com um presidente eleito e que foi desestabilizado e posteriormente deposto pela ação do governo americano através da CIA e financiado por empresas americanas aliadas à burguesia e ao exército contra as “reformas” de Goulart.
Nem parecia que Cuba havia se tornado comunista há apenas cinco anos e que não parecia ser o único alvo do comunismo revolucionário no continente.
A verdade é que havia no Brasil uma sólida operação de propaganda antiamericana extremamente bem-sucedida, pois tirava partido de nossa abissal credulidade a qualquer grosseira falsificação.
A operações da inteligência Tcheca no Brasil rendiam resultados altamente satisfatórios em jogar a opinião pública contra os norte-americanos. Uma destas operações – a mais famosa - foi chamada de Thomas Mann”. Um de seus executores, o espião Ladislav Bittmann, afirmava:
“A operação Thomas Mann, era representativa do que chamávamos de 'operações de papel’, as quais consistiam na produção de falsificações e sua distribuição anônima através do correio – sem o uso de agentes ativos – definiu o modelo para as futuras ações. As 'operações de papel' tinham certas vantagens. O risco operacional era inexistente, os recursos financeiros necessários eram mínimos e o público na América Latina era muito propenso a acreditar nas informações recebidas, até mesmo naquelas recebidas através de canais extremamente duvidosos”.
Explicando um pouco mais os objetivos das operações da inteligência Tcheca, ele prossegue:
“A linhas mestras da inteligência Tcheca definiam o conteúdo e a extensão das 'medidas ativas'- como o departamento de 'operações especiais'- dentro dos seguintes objetivos: enfraquecer seus oponentes por desmoralizar suas forças políticas, militares, econômicas ou morais; Criar novas rupturas / divergências ou exacerbando as divergências existentes no flanco oponente; Desacreditar as políticas e os seus representantes aos olhos de seu próprio país e da comunidade internacional; Influenciar na formulação, conteúdo e extensão das suas políticas através das ações secretas de desinformação e indução; e ao apoio na luta contra o 'imperialismo' nos países em desenvolvimento”.
Explicar tudo o que se passou na época eliminando cuidadosamente toda e qualquer referência às ações da inteligência comunista na América Latina causa um efeito expressionista de tornar as ações americanas completamente exageradas e mesmo truculentas na comparação. Isto é exatamente o que pretendem estes “historiadores”.
Agora, um pouco da verdade.
Depoimento de Ladislav Bittman
[Ladislav Bittman, The Deception Game, New York, Ballantine Books, 1981, pp. 97-104.] - tradução : Olavo de Carvalho.
'O serviço de inteligência tcheco tinha canais jornalísticos qualificados à sua disposição na América Latina. Ele influenciava ideologicamente e financeiramente muitos jornais no Uruguai e no México, e mesmo possuía seu próprio jornal político no Brasil até abril de 1964. Mas, tradicionalmente, a desinformação estava associada em ampla medida a técnicas de falsificação. De 1960 a 1963, o departamento territorial latino-americano da inteligência tcheca tentou escapar dessa tradição estabelecendo uma organização legal de dimensões continentais que arcaria com a tarefa das atividades políticas e propagandísticas antiamericanas. A essa operação, sob o nome de fachada Druzba (“companheirismo”), tanto a inteligência tcheca quanto a soviética atribuíam significação especial, de vez que o seu sucesso significaria uma substancial elevação de nível das atividades de propaganda e desinformação soviéticas na América Latina e, conseqüentemente, maior restrição da influência americana. A propaganda produzida pelas organizações legais existentes deveria sobrepujar as anteriores cartas anônimas estereotipadas e documentos forjados. Moscou deveria fornecer apenas as diretivas políticas básicas e a necessária ajuda financeira, enquanto as ações individualizadas de política e propaganda antiamericana estariam sob a jurisdição das organizações mesmas.
Uma divisão de trabalho foi estabelecida entre os serviços de inteligência tcheco e soviético. Os tchecos deveriam utilizar seus bons contatos com várias personalidades latino-americanas eminentes, que emprestariam seus nomes como uma fachada de respeitabilidade. Os soviéticos assegurariam a coordenação política. O objetivo primário era despertar a simpatia e apoio (mesmo não público) dos partidos comunistas latino-americanos sem o qual a ação prática seria difícil. Os iniciadores do projeto obtiveram realmente sucesso em localizar indivíduos inclinados a colaborar no empreendimento, e no período entre 1961 e 1963 foram realizados vários encontros organizacionais preliminares. No entanto, a operação falhou. O serviço de inteligência soviético não obteve sucesso em negociar o plano com os partidos comunistas continentais; as negociações se arrastaram sem progresso visível, e a operação morreu. De acordo com os regulamentos existentes, os oficiais de inteligência soviéticos não podiam conduzir negociações diretamente; todos os contatos tinham de ser intermediados pelo aparato do partido soviético, o único veículo autorizado a lidar com outros partidos comunistas. O uso desse tedioso canal burocrático provavelmente precipitou o fracasso. Embora esse atraso pudesse ser atribuído diretamente aos soviéticos, os participantes tchecos dessa manobra internacional não podiam criticar abertamente a direção recebida de Moscou.
Após essa experiência abortada, que originariamente prometia novos horizontes nas técnicas de desinformação, a inteligência soviética voltou aos métodos ortodoxos na América Latina. Cheguei lá quando a Operação Thomas Mann estava chegando ao fim. O objetivo desinformacional básico da operação era provar que a política externa americana na América Latina tinha sofrido, após a morte do presidente John F. Kennedy, uma reavaliação e transformação fundamental voltada para uma exploração econômica mais severa e mesmo para uma interferência mais aberta nas condições internas dos países latino-americanos. Segundo a teoria fabricada, o autor da nova política, aprovada pelo presidente Lyndon B. Johnson era o secretário de estado assistente Thomas A. Mann. A impressão que se deveria dar era que os Estados Unidos estavam impondo pressões econômicas aos países sul-americanos que tivessem políticas desfavoráveis aos investimentos do capital privado americano; a Organização dos Estados Americanos (OEA) deveria ser despertada de sua letargia para uma posição anticomunista mais ativa, e as novas ofensivas da CIA deveriam incluir planos para golpes contra os regimes do Uruguai, do Brasil, do Chile, de Cuba e do México. A operação era planejada para alertar o público latino-americano contra a nova linha dura da política americana, para incitar maiores explosões anti-americanas e para rotular a CIA como a autora notória de intrigas anti-democráticas.
A operação, que começou em fevereiro de 1964, iria utilizar somente canais anônimos, disseminando uma série de documentos forjados. A primeira forjicação foi um press release da USIA no Rio de Janeiro, contendo os princípios fundamentais da “nova política externa americana”. O segundo produto desinformacional foi uma série de circulares publicadas em nome de uma organização mítica chamada “Comitê de Luta Contra o Imperialismo Ianque”. Através desse meio, o público latino-americano devia ser alertado para as centenas de agentes da CIA, do Pentágono e do FBI mascarados de diplomatas. O elemento final da seqüência era uma carta forjada, alegadamente escrita por J. Edgar Hoover, diretor do FBI, a Thomas A. Brady. A carta dava crédito ao FBI e à CIA por terem executado com sucesso o Putsch em abril de 1964. O press release forjado da USIA no Rio de Janeiro foi mimeografada e distribuído à imprensa brasileira e a círculos políticos brasileiros seletos, em meados de fevereiro de 1964, num envelope simulado da USIA. Ao press release acrescentava-se uma carta de apresentação supostamente escrita por um empregado local da USIA, o qual afirmava que o chefe americano da missão havia suprimido o documento por ser demasiado franco. Ele revelava ter manobrado para conservar várias cópias, que ele entregava à imprensa brasileira por estar persuadido de que o público brasileiro deveria saber a verdade sobre a situação inteira. Na conclusão, o anônimo remetente desculpava-se por não revelar o seu nome; fazê-lo seria arriscar-se a perder o emprego.
Em 27 de fevereiro, a fraude apareceu no jornal brasileiro “O Semanário”, sob manchetes de página inteira: “Mann fixa linha dura para os EUA – não somos mascates para entrar em barganhas” e o subtítulo: “Ianques só ajudarão o Brasil em troca de concessões”. Um ataque anti-americano acompanhava o texto do press release forjado.
Muitos dias depois, em 2 de março de 1964, Guerreiro Ramos, membro do Partido Trabalhista Brasileiro, fez um discurso no qual comentava a nova política atribuída a Thomas Mann. Ele dizia que, após a morte do presidente Kennedy, os EUA tinham voltado à linha dura de John Foster Dulles. A embaixada americana no Rio de Janeiro publicou uma declaração em 3 de março, assegurando que Mann nunca tinha feito as afirmações atribuídas a ele e que a embaixada nunca tinha emitido tal release. Dois dias depois, o sr. Ramos reconheceu o erro e disse que as afirmações atribuídas a Mann foram baseadas num documento forjado.
Nos meses seguintes, a reação da imprensa e do público às primeiras fases da Operação Thomas Mann mesclou-se às respostas da imprensa às forjicações subseqüentes produzidas pela serviço de inteligência tcheca no quadro da operação. Após algum tempo, o nome Thomas A. Mann tornou-se um símbolo vivente do imperialismo americano para a imprensa esquerdista da América Latina.
Em 29 de abril, o semanário pró-comunista mexicano Siempre estampou um artigo referindo-se ao chamado Plano Thomas Mann Contra a América Latina, acrescentando que no curso de 1964 o plano clamava por uma derrubada dos governos do Uruguai, do Brasil, do Chile e de Cuba, e pelo isolamento do México. O jornal uruguaio Época tratou dessa questão em 20 de maio. Menos de duas semanas depois, o primeiro secretário do Partido Comunista Uruguaio discursou no parlamento, no contexto de uma discussão de problemas de exportação americanos, acusando Thomas Mann de “favorecer cinicamente golpes de estado”. Quando a embaixada americana em Montevidéu publicou no dia seguinte uma declaração, lembrando que o chamado Plano Thomas Mann era uma fraude, o jornal comunista El Popular respondeu em 5 de junho de 1964 com um artigo eloqüentemente intitulado “Mr. Mann: plano de guerrilha para toda a América Latina”. Ainda em 16 de junho de 1965, essa questão reapareceu no jornal mexicano esquerdista El Dia, que estampou um anúncio de quarto de página do “Comitê Nacional Coordenador para Apoio à Revolução Cubana”, no qual se afirmava que em 1964 Mann tinha dirigido a Operação Isolamento, planejada para minar a posição de Cuba como líder da luta anti-imperialista na América Latina.
Para apreender a lógica da Operação Thomas Mann, é preciso recuar vários meses até o momento em que seus iniciadores fabricaram uma série de circulares em nome da organização fictícia “Comitê de Luta Contra o Imperialismo Ianque” que foram distribuídos aos editores de jornais latino-americanos, políticos, administradores públicos e membros de missões diplomáticas. O serviço de inteligência tcheco entregou a primeira dessas circulares logo após o golpe no Brasil, identificando “alguns dos agentes americanos que tomara parte no recente golpe de estado no Brasil”. Circulares adicionais, disseminadas a intervalos regulares, davam “os nomes de vários agentes americanos envolvidos na preparação de um golpe no Chile”. Uma contínua série de circulares sobre a preparação de uma conspiração americana contra o Uruguai apareceu no fim de 1964, de novo especificando agentes americanos alegadamente culpados.
A seleção de candidatos que a inteligência tcheca apresentou ao público como supostos agentes americanos foi assunto comparativamente simples. A indústria editorial americana era abundante de livros e periódicos contendo dados biográficos úteis de diplomatas e empregados de várias instituições oficiais e privadas americanas em operação no exterior. Mesmo sem utilizar material secreto de inteligência colhido por agentes foi possível, pelo simples estudo de material legalmente acessível publicado na América, selecionar candidatos cujos antecedentes biográficos se adaptassem ao propósito do engodo. Apesar de algumas óbvias falhas nas circulares, os editores esquerdistas latino-americanos e as figuras públicas aceitaram-nas como fonte de informação confiável. Em julho de 1964, o público latino-americano recebeu nova “prova” adicional das atividades subversivas americanas, na forma de duas cartas forjadas de J. Edgar Hoover. Ambas eram dirigidas a Thomas Brady, um empregado do FBI. A primeira, uma mensagem congratulatória por ocasião do vigésimo aniversário de serviço de Brady no FBI, datava de 2 de janeiro de 1961. Seu único propósito era autenticar a segunda carta, datada de 15 de abril de 1964, dirigida a mesma pessoa. Nesta carta lia-se:
Washington D.C. , 15 de abril de 1964
“Pessoal
Prezado Sr. Brady: uso deste meio para expressar minha apreciação pessoal pelos serviços prestados na realização da “revisão geral”. O que me leva a expressar a minha gratidão é a admiração pela maneira dinâmica e eficiente com que essa operação de larga escala foi empreendida, num país estrangeiro e sob condições difíceis. O pessoal da CIA fez a sua parte bem e obteve uma grande realização. No entanto, os esforços dos nossos agentes foram especialmente valiosos. Estou particularmente satisfeito de que a nossa participação no caso tenha se mantido secreta e de que a administração não tenha sido obrigada a fazer desmentidos públicos. Podemos estar todos orgulhosos da parte vital que o FBI está desempenhando na proteção da segurança da Nação, mesmo para além de suas fronteiras.
Estou perfeitamente consciente de que nossos agentes, com freqüência, fazem sacrifícios pessoais no desempenho dos seus deveres. As condições de vida no Brasil podem não ser as melhores, mas, por lealdade e pela consciência de estar fazendo para seu país a contribuição de um serviço vital senão mesmo fascinante, vocês se apegam à tarefa. É esse espírito que hoje habilita o nosso departamento a desincumbir-se com sucesso de suas graves responsabilidades.
Sinceramente seu,
J. E. Hoover”
Tal como o texto implica, a intenção da fraude era indicar a participação americana direta na derrubada do governo brasileiro de João Goulart. O serviço de inteligência tcheco teria preferido jogar toda a culpa na CIA. A razão para incluir o FBI na conspiração americana era inteiramente prosaica: a inteligência tcheca não conhecia um só exemplar de agente da CIA estacionado no Brasil.
O departamento de [desinformação] dependeu de seus próprios recursos para produzir a falsificação: um arquivo de documentos, cabeçalhos de cartas oficiais, selos e assinaturas de vários órgãos de governo ocidentais, partidos políticos, organizações e funcionários. Os arquivos são constantemente suplementados, mas não são de maneira alguma a única fonte de materiais básicos. Muitos espécimes tornaram-se obsoletos há muito tempo, ou podem não haver material de uma ou várias instituições. Teria sido possível fabricar falsos documentos da CIA sem uma matriz e sem saber os procedimentos administrativos internos da CIA, mas os iniciadores da ação decidiram que tal espécie de forjicação teria aparecido suspeita para o destinatário à primeira vista. A carta forjada de Hoover, no entanto, apresentava outro perigo. As tarefas do FBI como serviço de contra-inteligência dos Estados Unidos são essencialmente defensivas antes que ofensivas na sua natureza; não era plausível que o FBI tivesse tomado parte no Putsch brasileiro. Este contra-argumento foi finalmente afastado com base na consideração de que esses detalhes não eram amplamente conhecidos; a carta de Hoover foi portanto aprovada.
A carta de Hoover apareceu primeiramente em 23 de julho no jornal argentino Propositos (Buenos Aires) junto com uma das circulares produzidas antes. Uma reação em cadeia seguiu-se na imprensa americana, com vários jornais publicando os “fatos” e comentários sobre a nova onda de atividade subversiva americana no continente: última hora, Santiago, 24 de julho de 1964; Vistazo, Santiago, 27 de julho de 1964; El Siglo, Santiago, 28 de julho de 1964; El Popular, Montevidéu, 28 de julho de 1964; Prensa Latina, Montevidéu, 28 de julho de 1964; Marcha, Montevidéu, 31 de julho de 1964; Época, Montevidéu, 1 de agosto de 1964; Combate, Santiago, 1 de agosto de 1964; El Siglo, Santiago, 2, 4 e 6 de agosto de 1964; El Dia, Cidade do México, 17 e 20 de janeiro de 1965; La Gagota, Bogotá, março-abril de 1965; e provavelmente muitos outros.
(...) Pensando sobre a minha missão, percebi que a situação na América Latina não estava madura para nenhuma mudança qualitativa nas nossas atividades de desinformação ali. Um retorno à operação Druzba era impossível. Onde quer que eu mencionasse a Druzba para meus colegas, sua reação vinha acompanhada de comentários do tipo: “bastardos russos”. A Operação Thomas Mann, representativa das chamadas operações de documentos, que consistiam na produção de falsificações e na sua distribuição anônima através do correio antes que por meio de agentes vivos, estabeleceu o padrão para novas atividades. As operações de documentos tinham certas vantagens. Não estavam ligadas a riscos operacionais, o dispêndio financeiro era mínimo, e o público latino-americano estava disposto a acreditar em informação recebida mesmo através desses canais extremamente dúbios.
Repetidas refutações das fraudes Mann e Hoover pelas autoridades americanas foram rejeitadas pela imprensa esquerdista; ao contrário, os desmentidos foram considerados manobras evasivas e novos indícios da validade da informação recebida.
Reportagens sobre a “nova política americana na América Latina” e sobre os “conspiradores na CIA” também penetraram a mídia do leste europeu, da China e de Cuba. Os departamentos de inteligência tcheco e soviético não interferiram nesse processo, mas deram-lhe a mesma rédea livre concedida aos partidos comunistas latino-americanos. É interessante, no entanto, que os comunistas e a imprensa esquerdista latino-americana tenham-se tornado as vítimas primárias da fraude, uma vez que a mídia conservadora não acreditou e não foi ludibriada pela mensagem de desinformação da Operação Thomas Mann'.
Apêndice - Detalhes acrescentados pelo autor no livro The KGB and Soviet Disinformation: an Insider’s View, Washington, Pergamon-Brassey’s, 1985, p. 8:
“Muitas vitórias foram obtidas nos países em desenvolvimento perturbados por alto desemprego, complicados problemas sociais, lingüísticos, tribais e econômicos, nacionalismo agressivo, influência dos militares na política e considerável ingenuidade entre os líderes políticos. A América Latina, com fortes sentimentos anti-americanos, foi particularmente fértil e vulnerável às provocações do Leste Europeu. Usando o México e Uruguai como bases operacionais para o resto do continente, a inteligência tcheca enfocou sua atenção primária no Brasil, na Argentina e no Chile, assim como no México e no Uruguai.
Em fevereiro de 1965, o serviço enviou-me a vários países latino-americanos, incluindo Brasil e Argentina, para fazer uma avaliação pessoal do clima político local e buscar novas idéias operacionais. Na época, a inteligência tcheca tinha numerosos jornalistas a sua disposição na América Latina. Ela influenciava ideologicamente e financeiramente vários jornais no México e no Uruguai e mesmo possuía um jornal político no Brasil até abril de 1964. Mas a desinformação estava tradicionalmente associada em larga medida a técnicas de falsificação. A Operação Thomas Mann estava chegando ao fim quando cheguei ao Brasil”.
segunda-feira, março 14, 2005
"Veja" e o Foro de São Paulo
Acho que "Veja" atendeu exatamente a estes leitores na matéria em que pretendeu expor as ligações entre as FARC e o PT.
Este seria a única explicação coerente para que numa matéria que se pretenda "reveladora" destas ligações, seja tão tímida em nomear ao
Foro de Saão Paulo (FSP) como o elo formal de ligação ou contato entre as FARC e o PT.
Tecnicamente Veja cita o Foro, mas sequer o nomeia. Leiam o trecho que pretende informar ao leitor sobre o "affair": "[Os contatos PT-FARC]
começaram em 1990, quando o PT realizou um debate com partidos políticos e organizações sociais da América Latina e do Caribe para
discutir os efeitos da queda do Muro de Berlim".
Pela matéria PT-FARC tiveram um encontro tipo chá-das-cinco num longínquo ano de 1990, falando da queda do muro de Berlim. E nada
mais. Parece que não houve mais nada nestes 15 anos.
Ao contrário, fora do Brasil, transbordam indícios de que os movimentos de esquerda no continente, como a vitória de Vasquez no
Uruguai, Kirchner na Argentina e o próprio Lula no Brasil tiveram seus passos e ações coordenados pelo FSP. Atualmente o seqüestro e
assassinato de Cecília Cubas no Paraguai tem recebido uma série de reportagens do jornal ABC Color de Assunção que
relaciona FARC – FSP e os seqüestradores de Cecília.
A reportagem de Veja, com o objetivo de "denunciar" acaba por colocar o assunto cada vez mais nos subterrâneos, pois sem maiores
investigações, coloca toda a responsabilidade sobre os contatos PT-FARC aos radicais do partido que "serão expulsos se pegaram o
dinheiro das FARC".
Se o próprio presidente do país, Lula é o presidente do FSP, fica claro que durante todos estes anos ele mesmo teve contatos mais que
formais com toda a cúpula das FARC. Uma contribuição de cinco milhões de dólares não poderia ser coisa de pessoa física, tanto do lado das
FARC como do lado do PT.
A conclusão final é de quem "não agüenta mais ouvir falar em Foro de São Paulo" também é o PT . Veja simplesmente atendeu os desejos destes
leitores.
A nós pobres leitores, resta continuar ignorando o assunto "Foro de São Paulo" por completo.