quarta-feira, junho 15, 2005

A Derrota da Vontade: uma análise sobre “A Queda”- O Filme

Há uma semana fui assistir ao filme "A Queda"("Der Untergang"/"Downfall"), magistral reconstituição dos últimos dias do regime nazista e de seu criador – Adolf Hitler. Atuações brilhantes de todo o elenco, destacando a performance do suíço Bruno Ganz como o Führer.

Queria ter escrito antes, mas este filme suscitou uma série de considerações – devo dizer "percepções" - que ficaram em gestação em minha mente durante vários dias, até que pudesse dar uma forma adequada a elas. Estas percepções simplesmente espocaram em meu pensamento como hyperlinks mentais, tive de segui-los, cataloga-los e definir o porque de minha mente ter me levado a eles.

Percepções a que me refiro foram "insights" e metáforas que percebi durante a sessão. Então quero dizer que o que escrevo são alusões aos signos e significados do regime nazista. Não procure por aqui causas eficientes ou materiais do nacional-socialismo. Simplesmente ouso escrever sobre, o que me pareceu, o que ele é.

A grande revelação deste filme para mim foi a percepção de que se os regimes socialistas/comunistas eram de alguma forma uma substituição da religião natural pela religião do estado, o nazismo seria a substituição do judaísmo, transformado numa espécie de "judaísmo de estado". Mas este "judaísmo de estado" teria tanto a ver com o judaísmo original como uma missa negra tem em relação à missa católica: de igual valor mas com sinal invertido. Uma contrafação satânica da primeira, como a versão robótica de "Maria" em "Metrópolis" de Fritz lang. E como esta, uma imitação que queria assumir por completo a identidade cultural e religiosa do modelo original, nem que a destruição completa deste modelo fosse necessária.

A Alemanha pós-Primeira Guerra precisava da mesma força que fez Israel se erguer perante seus captores no Egito e na Babilônia, que derrotou Hititas, e outros povos da região; da mesma força que fez Israel, seu povo e sua tradição tão longevo. Era esse o objetivo, com uma diferença fundamental: enquanto Israel tinha o favor de Javé para se manter unido, o deus do Terceiro Reich era o nacional-socialismo. Mas este também era um deus monoteísta, por isso não admitia nenhuma outra crença que não a sua própria. Esta é a chave.

Outro fato notável é que o nacional-socialismo se baseia no conceito de "raça". Tanto quanto se acreditava que os judeus formavam uma "raça" à parte. Se aos judeus foi dado o favor de Deus, somente a outra raça seria dado um favor semelhante. Estaria aí o significado do conceito racial no nazismo?

Nesta nova ordem, Hitler seria o "Führer" (líder). Seria na verdade uma encarnação do "Príncipe" de Maquiavel, pois botou em prática o ensinamento de eliminar os seus inspiradores – no caso os judeus. Este "príncipe" seria diferente, uma versão darwinista de Maquiavel.

Este é um elo quase recorrente. A firme crença nos valores do Darwinismo social dentro do nazismo é repetida a cada momento nas telas, numa prova cabal que tanto o comunismo quanto o nazismo não passam de irmãos siameses. No filme por exemplo, Goebbels condena o povo alemão à própria sorte (o que significava a morte de centenas de civis), pois o povo alemão tinha se mostrado fraco para impedir a invasão aliada, era fraco demais para merecer a glória do nacional-socialismo. Se você pensou na tautologia absurda do darwinismo ("somente os mais aptos sobrevivem, e se sobrevive é por que é o mais apto") , acertou. E frases deste tipo se repetem a cada cena. Com toda este background, não poderia ser diferente o destino dos criadores do nazismo. Estava provado que eles também não eram os mais "aptos" para a empreitada.

O fato de Hitler terminar seus dias num bunker, a dezenas de metros da superfície, longe da luz do sol é mais um signo. Na verdade, o nacional-socialismo viveu sempre dentro de um bunker, isolado da luz. Teve momentos que este bunker ideológico teve o tamanho da Europa, mas não era mais este o caso. Hitler pergunta, face à alternativa de fugir de Berlim "o que o Führer faria escondido numa vila". Claro que ele sabia: não existiria "Führer" num ambiente natural, sem todo o aparato imperial que o cercava. O bunker tinha se tornado real. E aí não havia mais escapatória.

Isto pode ser visto na cena mais significativa do filme – e que remete diretamente ao universo judaico. Falo da cenas relativas a Goebbels e sua família: Se no Gênesis Deus impede Abraão de sacrificar Isaque no último momento, para o deus do nacional-socialismo não havia outra saída senão o sacrifício final.

Uma pena que este sacrifício não serviu para extirpar por completo as raízes do nacional-socialismo do mundo de hoje: elas continuam ainda bem firmes e prestes a dar novos frutos. Diante de tudo isso, não se poder negar a sugestão de Norman Mailer "Sugiro que se aceite a existência do diabo como uma hipótese científica."

segunda-feira, junho 13, 2005

As Raízes do relativismo

O blog do meu amigo Júlio Belmonte teve um bela atualização. A primeira parte de um texto, refutando que a teoria da relatividade seria per se a origem do que se chama "relativismo moral", foi postada. Leiam este trecho: "Paul Johnson, em seu famoso livro “Tempos Modernos”, não hesitou ao falar, logo no primeiro capítulo de sua obra sobre o século XX, ser este o século do relativismo (moral). E sugere a data de 29 de maio de 1919, dia da confirmação da teoria de relatividade de Einstein, como o começo desta era.

Mas o que há de tão especial nesta teoria científica? Simples, a idéia de uma troca de paradigma na ciência. Há de se reconhecer que a ciência alcançou seus mais notáveis avanços práticos e empíricos depois da adoção da matemática como instrumento modelador da natureza. Este foi um pressuposto metafísico feito muito anteriormente, quando Platão, fortemente influenciado pelo desenvolvimento da geometria, especulou no seu livro “Timeu” a possibilidade de a natureza ser composta por agregados de 5 sólidos regulares: cubo, octaedro, tetraedro, dodecaedro e icosaedro. Mas foi somente no século XVII que Galileu deu início a este empreendimento declarando que: “Para entender o universo, você precisa conhecer a linguagem com a qual foi escrito. E esta linguagem é a matemática.”


Comentário: Brilhante. Muito bom. Isso é para aqueles que - por semelhança - acham que a "teoria da relatividade" seria a base teórica do relativismo. Na verdade a origem do relativismo é no psicologismo. Ele é que definiu o ser humano como o centro do universo, criando a idéia que todos os conceitos, crenças, valores e até a ciência são extensões de uma realidade psicológica que não existe de fato. Minha pergunta é : Até Paulo Johnson caiu nessa?
Outra observação é que Platão é uma referência em duplo-sentido, pois se ao mesmo tempo seu apego pela geometria fez incontáveis discípulos na era moderna, sua teoria do mundo das idéias com seus modelos perfeitos, comparativamente ao imperfeitos à nossa volta, o fazia achar absurdo procurar a essência das coisas pela amostragem empírica do universo táctil... O cientificismo de laboratório não teria a menor chance com ele..

Olavo rocks on!

Não sei o que é, mas o fato é que os últimos artigos do Olavo estão indo direto ao ponto. Como os leitores já perceberam, sempre levantei esta questão do discurso liberal ser sempre só econômico.
Olavo dá outra dimensão a esta percepção, como só ele. Este artigo "Debate Assimétrico" é perfeito:
"Como a estratégia socialista jádesistiu faz tempo da estatização total da economia, admitindo a necessidade de reservar pelo menos algum espaço para as empresas privadas, a defesa da economia de mercado é facilmente absorvida e instrumentalizada pelo establishment esquerdista, que pode repetir ipsis litteris cada palavra do ideário econômico liberal sem com isso fazer nenhum mal a si mesmo. Desprovido de sua substância cultural, moral ou religiosa, o discurso liberal pode tornar-se nada mais que uma forma inconsciente de colaboracionismo."