quarta-feira, março 16, 2005

Resultado de 20 anos de "re-democratização" do Brasil: de volta a 1964 ...



Há 20 anos encerrava-se melancolicamente o regime militar. Com o final do governo Figueiredo notamos, infelizmente, que o regime surgido heroicamente em 1964 havia se transformado numa caricatura de si mesmo. A essência dos ideais de 1964 estava perdida há muito. O país havia se desviado da rota virtuosa em algum ponto entre o final do governo Médici e governo Geisel. Figueiredo foi apenas uma conseqüência – agravada por sua falta completa de “phisique du role” para o papel de primeiro mandatário do país – da falta de rumo prenunciada anteriormente.

Parecia que em nossa corrida com bastões, ele havia caído há muito pelo chão, extraviado, mas os corredores continuavam a correr. A esmo.

A elevação do caráter caricatural do regime militar após a metade dos anos 70 e durante os 80 começavam a incomodar: coisas como a existência de um órgão de censura federal completamente inócua (alguém lembra das proibições sem sentido de "Je Vous Salue, Marie" ou "Laranja Mecânica"?) , estatismo sufocante (especialmente a partir de Geisel) e, com Figueiredo especialmente, a total falta de um diálogo construtivo com a sociedade ("me esqueçam!") fizeram o apoio ao regime de 64 ir definhando pouco a pouco. O insucesso econômico simbolizado pelo recorde de 100% de inflação em 1980 sugou o restante de credibilidade do regime.

O regime militar em 1985, aos 21 anos, cambaleava. Mas, para provar que nada é tão ruim que não possa ser piorado, em 1984 a eleição indireta elege Tancredo Neves. Que não assume, deixando a cargo de José Sarney a façanha de ser o primeiro presidente civil do país em vinte um anos.

Temos dois hemisférios aí, dois períodos de aproximadamente 20 anos, um do regime militar, outro de democratização do país.

Colocá-lo lado a lado pode ser útil para avaliarmos um balanço destes períodos que de alguma forma nos trouxeram até aqui.

Em 1964 o país estava à beira do caos. O movimento de reação teria de ser de reconstrução do tecido social e da racionalidade econômica.

Já em 1984/85 o país respirava democracia. A esquerda começava a ganhar corações e mentes, aproveitando o fracasso econômico do regime nos anos 80. Democracia era o “sonho de consumo” de nossa sociedade e parecia que “democracia” bastava para fazer este país concretizar os seus ideais de grandeza. Era a resposta à recessão da primeira metade dos 80. Da inflação recorde de três dígitos. O romantismo democrático atingia o seu ápice.

Sarney incorporou o personagem como poucos. Acreditou piamente em sua interpretação e o elevou ao nível expressionista. O "porre" de democracia e de auto-suficiência da época teve o seu ápice no Plano Cruzado: para curar a febre inflacionária, resolvemos que quebrar o termômetro era a solução. Teve mais ainda: em 1987 a moratória, em 1988 a constituinte "cidadã".

Balanço: enquanto o regime autoritário iniciado em 1964, apesar dos altos e baixos, deixou os saldos positivos inegáveis como o de ter elevado o país a um grau de desenvolvimento/geração de riquezas inéditos até hoje além o de ter entregado o poder aos civis de forma planejada e pacífica (que poderia ser encurtado), o processo de redemocratização não tem o mesmo currículo a exibir.

Em vinte anos “avançamos” para chegar exatamente ao ano de 1964: os hemisférios se encontraram na linha do equador. A grande diferença é que na época sabíamos que o futuro daquele regime “democrático” era o totalitarismo. Hoje infelizmente a sociedade brasileira se deixou levar de roldão pelo flautista de Hamelin. O brasileiro crê piamente que vivemos em um regime ostensivamente democrático, a despeito dos fatos como o de na última eleição presidencial TODOS os candidatos serem de esquerda e até das denúncias de financiamentos ilegais de campanhas eleitorais por movimentos narco-terroristas.

E pensar que na época saudei a volta da “democratização” ao país. Pelo menos, posso me vangloriar de nunca ter sido um “Fiscal do Sarney”.

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