domingo, setembro 02, 2007

Revendo a História: Os Papas Humanistas

Jacques Barzun, em sua magnífica obra “ Da Alvorada À Decadência”, dá evidências de que, o que se convencionou chamar de “humanismo” na Renascença, não foi algo totalmente contrário à Igreja Católica, ou pelo menos aceito com contrariedade por ela. Pelo contrário. Alguns dos maiores humanistas foram papas.


Leia o trecho final do capítulo “ As Belas – Artes


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“Nem todos os humanistas eram profissionais ligados aos livros. Entre os mais apaixonados houve papas, a começar nos meados do século XV por Nicolau V, um cristão sincero que fez de sua corte um centro de arte e contratou o arquiteto Alberti para desenhar o projeto de reconstrução não só do Vaticano mas também da degradada basílica de São Pedro. Esta não tinha sido a igreja papal, mas erguia-se no local do mais antigo cemitério cristão, onde presumidamente foi sepultado o apóstolo que Cristo designou para chefiar a Igreja. Nesta reconstrução da basílica de São Pedro, para a qual a gente do Norte contribuiu com tanto dinheiro, manifestou-se o espírito histórico do Humanismo.


Após um intervalo de alguns anos, surgiu outro papa humanista e autor de uma autobiografia notável, Pio II, que queria ser chamado Eneias à semelhança do pius Aeneas, o herói da epopéia de Virgílio. Do mesmo modo, Alexandre VI tomou o seu nome não de um santo, mas de Alexandre o Grande. Entre os dois reinou um papa anti-humanista, mas o seu programa negativo falhou. Mais do que pelo volúvel caráter moral, os “Papas do Renascimento” são conhecidos pelo seu legado em escultura e pinturas, mas também apreciavam a poesia e a música, o teatro, as discussões filosóficas e os animais exóticos para o seu jardim zoológico 1 . Pagavam prodigamente este aparato principesco e definiam o padrão da corte ilustrada.

Pelo terceiro quartil do século, ocupava o trono Júlio II – famoso como pescador e soldado, e vitorioso em guerras que recuperavam território do papado. Foi um dos mais abalizados juízes dos artistas e respectivas obras. Foi ele quem realmente iniciou a reconstrução da Basílica de São Pedro. No Vaticano, criou um jardim de esculturas em volta da “estátua suprema”, o Apollo Belvedere, e do não menos famoso grupo de Laocoonte, desenterrado em 1506. Júlio estava disposto a fazer novamente de Roma uma bela cidade, usando projetos de Bramante e Michelângelo. Concebeu também o esquema das indulgências que se abateu sobre o seu sucessor Leão X, o conhecedor de arte a quem Rafael ficou a dever as maiores encomendas.

Foi este cenário que revoltou o jovem Lutero. Visto pelos seus olhos, o Humanismo era apenas outro nome para mundanismo. A baixa moralidade dos grandes senhores grandes senhores da Igreja justificou mujitas vezes o seu julgamento, embora, bem vistas as coisas, os humanistas fossem talvez mais verdadeiramente cristãos do que os padres e monges banais ou do que os evangélicos fanáticos que viviam em violência embora julgassem salvos pela fé. Além disso, ao encherem o espírito os elementos da duas civilizações antigas, os humanistas foram forçados a colocar questões perenes que precedm a crença religiosa: Para qe serve a vida? Qual é o dever e o destino do homem? Qual é o significado da morte?”



1Ler em Sílvio A. Bedini, The Pope´s Elephant (1997), a penosa e pitoresca viagem por terra e mar de um elefante de Lisboa para Roma.


Um comentário:

Anônimo disse...

O espírito do Renascimento consistia no retorno ao passado.
A Verdade estaria lá, soterrada sob os escombros da escolástica e do "mau" latim medieval.
O Humanismo secular propôs resgatar neopagãos. Voltava-se para a reconstrução da Romanitas, cidade universal composta por cidadãos polidos, reestudando os clássicos.
O Humanismo religioso, de Erasmo de Roterdã, volta-se para a reconstrução do cristianismo primitivo, relendo os Padres e desprezando toda a História da Cristandade.
Todas as heresias condenadas após os primeiros cristãos poderiam ser "reabilitadas".