terça-feira, janeiro 29, 2008
Santiago de Compostela: O apóstolo “Matamoros” contra o politicamente correto.
Há duas semanas, fui até Santiago de Compostela, na região da Galiza (ou Galícia), na Espanha. Não, não fui em peregrinação, como virou moda entre os brasileiros (já são o terceiro contingente de peregrinos – mas isso tudo é culpa do Paulo Coelho, que transformou uma jornada de fé, tais como as peregrinações à Fátima por exemplo, em assunto da moda na onda esotérica neo-pagã atual), fui até lá por meio de aluguel de carro de algum provedor “low-cost” (o que significa enormes anúncios comerciais em ambas as portas dianteiras da viatura – é assim que se chama automóvel em Portugal). Nada mais prosaico.
Bueno, quando cruzamos o rio Minho (Miño) já avistamos alguns sintomas do que vamos encontrar: a placa “Bienvenidos a España” está com o “España” riscado e trocado por um “Galiza” em grafite.
Sim, a região da Galiza (Galicia, em espanhol) é mais uma daquelas que reinvindica independência da España. Mas vamos em frente.
Chegando à bela – mas descuidada - Catedral de Santiago fiquei impressionado com suas dimensões, com os peregrinos que chegavam às suas sete portas, com a arquitetura e com sua história. Aprendi que o apóstolo Tiago a que se refere é a Tiago Maior. Não a Tiago Menor, que seria o irmão de Jesus. Tiago , o nome, vem da modificação do nome original Yacob. Nas paredes da Catedral muitas referências à Jacobo, o nome latinizado de Yacob. Bem como Iago, outra variação latina. Esta, com o tratamento “Sant” à frente, tornou “Santiago” conhecido em todo o mundo latino. Para os franceses é Saint-Jacques e para os ingleses, Saint James.
Conta a história (ou lenda) que o apóstolo vagou a pregar pela Europa depois da morte de Jesus. Chegou até a região conhecida com “Finis Terrae” (o fim ocidental da Europa, na Galiza). Em Jerusalém, Maria, muito enferma, pede aos anjos que chame aos apóstolos pois sente a morte iminente. Sua imagem aparece à Santiago sobre uma coluna (no local que se tornou famoso, na Basílica de Nossa Senhora do Pilar, em Saragoça); Santiago volta a Jerusalém; Maria morre; Santiago é preso e decapitado por Herodes por volta de 44 DC.; Seus seguidores transladam seu corpo pelo Mediterrâneo de volta à “Finis Terrae”; Muitos anos depois, rumores de estranhas aparições e acontecimentos são reportados na região; A tumba do apóstolo é encontrada; A catedral é construída; Começam as peregrinações - especialmente da França - até Compostela, assim o mais famoso “Caminho de Santiago” é formado (Paris-Compostela).
Mas um capítulo especial da história de Santiago merece a atenção: é a transformação de Santiago em “Santiago Matamoros”.
Durante a invasão dos mouros ao sul da Espanha, Santiago aparece para o Rei de Castela, entre outros, orientando-o a livrarem a Espanha do jugo mouro. Suas aparições prosseguem antevendo vitórias improváveis aos católicos, como a retomada de Coimbra. Em pouco tempo “Santiago Matamoros” é alçado à símbolo, tanto da Reconquista, como da união espanhola.
Pois, estava eu no interior da Catedral quando me deparo com a famosa representação do apóstolo “Matamoros” semi-coberta: os mouros, aos quais Santiago combate sobre seu cavalo, estavam cobertos por rosas. De volta ao hotel havia um cartão com a foto da imagem original.
Teria Compostela se tornado mais uma vítima da patrulha politicamente correta?
Descobri muito mais coisas nisso.
Pelos jornais locais é possível entender a situação de uma perspectiva mais abrangente. O apóstolo guerreiro, o “matamoros” não é só incoveniente por ser abertamente anti-islâmico e portanto, suscetível a “ferir as suscetibilidades de outras religiões”- conforme declarações da comissão que administra a Catedral de Santiago . É incoveniente pois é o patrono da união espanhola propiciada pela Reconquista, coisa que os nacionalistas de todos os cantos da Espanha abominam.
Os nacionalistas andaluzes, aliados dos próprios galegos pregam que seja retirada a espada de Santiago. Que a figura do Matamoros seja esquecida.
E esta visão não é moderna não. Há muito que as demonstrações nacionalistas de galegos, andaluzes, catalães e – principalmente – de bascos pregam a independência da Espanha. E para isso a destituição do patrono “Matamoros” é uma necessidade. E uma revisão da “Reconquista” pois, segundo eles, “nada havia para ser reconquistado”.
Nesta perspectiva, fica claro por quê os terroristas bascos do ETA juntaram seus esforços à Al-Qaeda: a luta é a mesma, pois a vitória do nacionalismo só pode ser feita às custas do catolicismo e seu símbolo maior, Santiago, que é também o maior símbolo de união nacional.
Até mesmo os setores “progressistas” da Igreja Católica sucumbiram a isto.
Há alguns anos, muitos rumores davam conta que a imagem histórica de Santiago “Matamoros” seria retirada da Catedral de Santiago. Depois de muitos desmentidos, chegaram à uma solução salomônica: não retiraram, enfim, a imagem da Catedral, mas escondem com flores os mouros aos quais Santiago combate. Vejam as imagens acima. À direita, a imagem tradicional, à esquerda a imagem atual. O ataque politicamente correto contra o apóstolo, conjugado com a promoção de uma vertente esotérica do culto aos caminhos de Santiago querem transformar um símbolo cristão e de união espanhola em seu inverso.
Santiago e sua história têm uma relevância especial para o mundo de hoje. Mas esqueça d´ “O Diário de Um Mago”. É do velho “Matamoros” que precisamos!
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4 comentários:
Excelente o post, meus parabéns!
Muito bem.
O Islão já mete medo no Ocidente: como será na terra "deles"?
Mas dizer Tiago Menor é irmão de Jesus não está correcto.
Jesus não teve irmãos.
Na tradição Judaica irmão equipara-se aos nossos primos...
Muito interessante! Coisa que parece algo simples a olhos distraídos encobre intenções e uma história e tanto.
Parabéns pelo conteúdo do blog. Mas não generalize quando falar dos brasileiros. Paulo Coelho é muito mais reverenciado na Europa do que aqui no Brasil. Fiz o Caminho de Santiago como católica, não como esotérica.
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