

Há duas semanas, fui até Santiago de Compostela, na região da Galiza (ou Galícia), na Espanha. Não, não fui em peregrinação, como virou moda entre os brasileiros (já são o terceiro contingente de peregrinos – mas isso tudo é culpa do Paulo Coelho, que transformou uma jornada de fé, tais como as peregrinações à Fátima por exemplo, em assunto da moda na onda esotérica neo-pagã atual), fui até lá por meio de aluguel de carro de algum provedor “low-cost” (o que significa enormes anúncios comerciais em ambas as portas dianteiras da viatura – é assim que se chama automóvel em Portugal). Nada mais prosaico.
Bueno, quando cruzamos o rio Minho (Miño) já avistamos alguns sintomas do que vamos encontrar: a placa “Bienvenidos a España” está com o “España” riscado e trocado por um “Galiza” em grafite.
Sim, a região da Galiza (Galicia, em espanhol) é mais uma daquelas que reinvindica independência da España. Mas vamos em frente.
Chegando à bela – mas descuidada - Catedral de Santiago fiquei impressionado com suas dimensões, com os peregrinos que chegavam às suas sete portas, com a arquitetura e com sua história. Aprendi que o apóstolo Tiago a que se refere é a Tiago Maior. Não a Tiago Menor, que seria o irmão de Jesus. Tiago , o nome, vem da modificação do nome original Yacob. Nas paredes da Catedral muitas referências à Jacobo, o nome latinizado de Yacob. Bem como Iago, outra variação latina. Esta, com o tratamento “Sant” à frente, tornou “Santiago” conhecido em todo o mundo latino. Para os franceses é Saint-Jacques e para os ingleses, Saint James.
Conta a história (ou lenda) que o apóstolo vagou a pregar pela Europa depois da morte de Jesus. Chegou até a região conhecida com “Finis Terrae” (o fim ocidental da Europa, na Galiza). Em Jerusalém, Maria, muito enferma, pede aos anjos que chame aos apóstolos pois sente a morte iminente. Sua imagem aparece à Santiago sobre uma coluna (no local que se tornou famoso, na Basílica de Nossa Senhora do Pilar, em Saragoça); Santiago volta a Jerusalém; Maria morre; Santiago é preso e decapitado por Herodes por volta de 44 DC.; Seus seguidores transladam seu corpo pelo Mediterrâneo de volta à “Finis Terrae”; Muitos anos depois, rumores de estranhas aparições e acontecimentos são reportados na região; A tumba do apóstolo é encontrada; A catedral é construída; Começam as peregrinações - especialmente da França - até Compostela, assim o mais famoso “Caminho de Santiago” é formado (Paris-Compostela).
Mas um capítulo especial da história de Santiago merece a atenção: é a transformação de Santiago em “Santiago Matamoros”.
Durante a invasão dos mouros ao sul da Espanha, Santiago aparece para o Rei de Castela, entre outros, orientando-o a livrarem a Espanha do jugo mouro. Suas aparições prosseguem antevendo vitórias improváveis aos católicos, como a retomada de Coimbra. Em pouco tempo “Santiago Matamoros” é alçado à símbolo, tanto da Reconquista, como da união espanhola.
Pois, estava eu no interior da Catedral quando me deparo com a famosa representação do apóstolo “Matamoros” semi-coberta: os mouros, aos quais Santiago combate sobre seu cavalo, estavam cobertos por rosas. De volta ao hotel havia um cartão com a foto da imagem original.
Teria Compostela se tornado mais uma vítima da patrulha politicamente correta?
Descobri muito mais coisas nisso.
Pelos jornais locais é possível entender a situação de uma perspectiva mais abrangente. O apóstolo guerreiro, o “matamoros” não é só incoveniente por ser abertamente anti-islâmico e portanto, suscetível a “ferir as suscetibilidades de outras religiões”- conforme declarações da comissão que administra a Catedral de Santiago . É incoveniente pois é o patrono da união espanhola propiciada pela Reconquista, coisa que os nacionalistas de todos os cantos da Espanha abominam.
Os nacionalistas andaluzes, aliados dos próprios galegos pregam que seja retirada a espada de Santiago. Que a figura do Matamoros seja esquecida.
E esta visão não é moderna não. Há muito que as demonstrações nacionalistas de galegos, andaluzes, catalães e – principalmente – de bascos pregam a independência da Espanha. E para isso a destituição do patrono “Matamoros” é uma necessidade. E uma revisão da “Reconquista” pois, segundo eles, “nada havia para ser reconquistado”.
Nesta perspectiva, fica claro por quê os terroristas bascos do ETA juntaram seus esforços à Al-Qaeda: a luta é a mesma, pois a vitória do nacionalismo só pode ser feita às custas do catolicismo e seu símbolo maior, Santiago, que é também o maior símbolo de união nacional.
Até mesmo os setores “progressistas” da Igreja Católica sucumbiram a isto.
Há alguns anos, muitos rumores davam conta que a imagem histórica de Santiago “Matamoros” seria retirada da Catedral de Santiago. Depois de muitos desmentidos, chegaram à uma solução salomônica: não retiraram, enfim, a imagem da Catedral, mas escondem com flores os mouros aos quais Santiago combate. Vejam as imagens acima. À direita, a imagem tradicional, à esquerda a imagem atual. O ataque politicamente correto contra o apóstolo, conjugado com a promoção de uma vertente esotérica do culto aos caminhos de Santiago querem transformar um símbolo cristão e de união espanhola em seu inverso.
Santiago e sua história têm uma relevância especial para o mundo de hoje. Mas esqueça d´ “O Diário de Um Mago”. É do velho “Matamoros” que precisamos!
4 comentários:
Excelente o post, meus parabéns!
Muito bem.
O Islão já mete medo no Ocidente: como será na terra "deles"?
Mas dizer Tiago Menor é irmão de Jesus não está correcto.
Jesus não teve irmãos.
Na tradição Judaica irmão equipara-se aos nossos primos...
Muito interessante! Coisa que parece algo simples a olhos distraídos encobre intenções e uma história e tanto.
Parabéns pelo conteúdo do blog. Mas não generalize quando falar dos brasileiros. Paulo Coelho é muito mais reverenciado na Europa do que aqui no Brasil. Fiz o Caminho de Santiago como católica, não como esotérica.
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