quinta-feira, agosto 30, 2007

Sobre Concorrências "Perfeitas"

José Manuel Moreira, no "Diário Económico" sobre as idéias distorcidas que a média da população tem sobre o que seja uma "concorrência perfeita" (oriunda de um "mercado perfeito") e o custo que advém de sua busca em face de que os agentes econômicos (ou seja eu, tu, ele, nós, vós e eles) que a criam são intrisicamente imperfeitos.


O tema é tratado com o pretexto da concorrência entre os semanários "Expresso" e "Sol" aqui em Portugal.




No final, com a impossibilidade de se criar o perfeito do imperfeito, chama-se o onipotente Estado e toda a liberdade acaba virando um "pretérito imperfeito", face ao controle estatal no "presente mais que perfeito".


A citação final é preciosa e deve ser o mote de todos que defendem a liberdade de mercado: “mesmo os homens maus podem ser levados pelo mercado a fazer o bem,

enquanto homens bons podem ser induzidos pelo processo político a fazer

o mal”.


A concorrência entre o “Expresso” e o “Sol” está viva e recomenda-se. As tiragens anunciam-se elevadas e a coisa promete. Lá comprei o segundo número, mas é no primeiro que me quero fixar. Mais propriamente numa espécie de “carta de intenções” do Confidencial, intitulada “Concorrência Perfeita”. Mal vi a expressão fiquei logo preocupado e a leitura não desiludiu: está em linha com o que por aí anda e vende, embora tivesse sido levado a pensar que mais sol significasse mais luz. É o retrato perfeito da falta de clareza teórica que nos acompanha, e a que nem mesmo os “económicos” escapam.


Não há nada melhor na prática do que uma boa teoria. É por isso natural que as insuficiências teóricas inquinem as discussões mais sérias, como aconteceu com a proposta para a Segurança Social apresentada no Compromisso Portugal. Mas voltemos à “concorrência perfeita”. Depois de uma definição bastante imperfeita, diz-se: “Mas a verdade é que a realidade moderna mostra que estamos longe da concorrência perfeita, se é que alguma vez existiu”. Qual então a razão para a escolha da expressão? Mais surpreendente é que, depois de se considerar que “as denominadas falhas de mercado como as barreiras à concorrência, às vezes criadas pelo próprio Estado, a excessiva regulamentação e os monopólios constituem distorções que afectam negativamente uma economia”, se conclua: “O caderno Confidencial que está a ler pela primeira vez, vai assumir, sem ambiguidades, as vantagens da concorrência e o papel do Estado na correcção das falhas do mercado”. Tudo isto parece ambíguo e deveras confuso. Mas é o que vem nos livros. A essa luz, o texto é claro e ilustrativo do que continua a fazer escola.


De facto, se analisarmos um bom manual de economia veremos que, após um bom número de capítulos sobre o mercado e quase igual número sobre microeconomia, há um ou dois capítulos que resumem o que se pode afirmar sobre o mercado. Depois o livro não deixará de elogiar a utilidade dos mercados e o quão eficientes podem ser. Já na segunda parte desse mesmo capítulo (ou talvez num capítulo separado), o livro salientará que é evidente que essas vantagens de mercado só podem ser verdadeiras se tivermos condições de concorrência perfeita, de perfeito conhecimento, ou seja, se tivermos essas e outras muitas condições que, naturalmente, não temos. Portanto, o livro continua, as nossas análises ensinam-nos o quanto, de um ou outro modo, é importante a intervenção do Governo. Daí que a necessidade de intervenção governamental – sob a forma de leis anti-‘trust’, controle de preços ou qualquer outra – seja atribuída à diferença entre as realidades do mundo em que vivemos e as suposições abstractas exigidas para a validação dos principais modelos neoclássicos. Tudo isto parece contraditório, mas pode ter vantagens para quem quer seguir a vida académica: a primeira parte é essencial para um bom doutoramento e a segunda para um bom emprego (e reforma a condizer) numa das instituições públicas vocacionadas para regular ou corrigir as falhas do mercado. E com sorte ainda se chega ao topo nos dois lados.


Em tempos, um desses meus colegas com sorte foi descrito no “Expresso” como neoclássico e keynesiano, como se isso fosse questionável. Mas não é. Vendo bem, os pressupostos ideais associados a um modelo de equilíbrio geral perfeitamente competitivo exigem suposições tão fantásticas e tão exigentes que o próprio modelo se torna um argumento favorável à intervenção do governo.


Cheguei a pensar que o “Sol” nos ajudasse a ver que os mercados são sempre imperfeitos porque trabalham com e para pessoas imperfeitas: ou seja, perfeitamente humanas. Querer substituir a “imperfeição do mercado” pela “correcção” do Governo, sem ver que o mercado político pode ser mais imperfeito do que o mercado económico, é tão errado como perigoso. A evidência histórica mostra que as imperfeições do Governo estão mais enraizadas e são menos remediáveis do que as imperfeições do mercado. Daí o aviso de A. Seldon: “mesmo os homens maus podem ser levados pelo mercado a fazer o bem, enquanto homens bons podem ser induzidos pelo processo político a fazer o mal”.


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José Manuel Moreira, Professor universitário e membro da Mont Pélérin Society


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