terça-feira, novembro 16, 2004

Antropofagia: Oswald de Andrade, partindo da "auto-estima" até a morte da cultura nacional.

O presidente Lula tem em quem se inspirar. O presidente, que já sabe que “auto-estima” não tem nada a ver com a indústria automobilística, deveria observar mais o trabalho do escritor Oswald de Andrade. Oswald tem tudo – principalmente a base teórica – daquilo que Lula tanto busca quando fala em que o “melhor do Brasil é o brasileiro”. E conhecendo Oswald se sabe quais serão os resultados deste tipo de campanha.

Oswald, além de escritor, foi um dos inspiradores da “Semana de Arte Moderna de 22” - movimento chamado por Monteiro Lobato de “paranóia ou mistificação” - como também foi um membro ativíssimo do Partido Comunista Brasileiro. Esta última função deu estofo e conteúdo às outras atribuições do artista.

Mas o que mais chamaria a atenção de Lula foi o movimento antropofágico lançado por Oswald em 1928 – chamado de “Pau Brasil”. O movimento tinha uma base teórica tão rasa quanto o roteiro de uma novela mexicana: usava-se a figura do índio antropófago, cujas tribos no Brasil pós-descobrimento eventualmente devoraram alguns europeus, como símbolo da nova arte brasileira. Seria uma arte novíssima surgida da fagocitose do elemento estrangeiro metabolizado e miscigenado com os elementos nacionais. Uma arte de exportação para o mesmo estrangeiro que de alguma forma a inspirou. Também faziam parte do manifesto antropofágico a recuperação de elementos marginais na cultura brasileira, ofuscado pela busca dos “clássicos” e do “conservadorismo”.

Estava aí criada a base teórica de nosso atraso cultural. Não precisávamos mais evoluir culturalmente nem aprender nada de novo com os estrangeiros. O movimento pregava uma falsificação cultural : embalar o que de mais tosco existia na arte nacional com o apelo fácil da ”modernidade”. Oswald deve ter percebido muito bem em suas andanças pela Europa no início do século que a tal “modernidade” (aliás chegamos atrasados: o que Oswald trouxe na bagagem era a “pós-modernidade”) era um embuste: qualquer débil mental poderia criar “obras” como aquelas. Até mesmo brasileiros.

A arte “moderna” que Oswald apreciava, o cubismo, futurismo, dadaísmo, surrealismo entre outros “ismos” não eram arte de verdade. Eram movimentos anti-arte, pois estavam plenamente engajados na desconstrução do que antigamente se chamava “arte”. E todos os participantes destes movimentos também eram ativos comunistas. Na verdade todos estes movimentos eram como um cavalo de Tróia a destruir “por dentro” os valores da sociedade ocidental. Tal era a “avant-garde” européia do início do século. E a qual resultado poderia se chegar na apropriação de elementos tão pobres como matéria prima para o “novo”?

As evidências estão aí até hoje. Oswald e seu pau-brasil foram precursores de um outro movimento chamado “tropicalismo” nos anos sessenta. Este movimento pregava que a “modernidade” consistia em recitar um poema concretista de Augusto de Campos ou uma letra lacrimejante de Vicente Celestino ao ritmo de tamborim e guitarra elétrica, vestindo roupinhas de plástico. Esta é a modernidade da qual o Brasil não consegue livrar-se há décadas: os dois líderes do movimento, Gil e Caetano foram elevados à categoria de “intelectuais”, sendo muito influentes nos destinos da cultura do país. Um deles é o ministro de cultura do governo Lula. Há mais de trinta anos o fantasma do tropicalismo-pau-brasil assombra em quem pensa em cultura no país.

O resultado do movimento foi o de onseguir transformar a cultura nacional na “geléia geral” que seus líderes tanto apregoavam. O sentido do aprendizado cultural acabou. Na visão tropicalista todo o brasileiro pode ser superior a qualquer estrangeiro por suas qualidades intrínsecas: tocador de tamborim, de caixa de fósforo, compositor em guardanapo de papel. Não há necessidade nenhuma de haver algum refinamento desta “arte”. Ela já é a expressão mais autêntica do povo brasileiro.

Mas o que não se percebe é que este polaroide dos anos sessenta está amarelado demais, como Caetano mesmo dizia em 1968, ser tropicalista ainda hoje é como tentar “matar o velhinho que morreu ontem”. Não existe no Brasil nenhum tipo de cultura vagamente conservadora para se fazer frente. Nem mais o tipo de vanguarda que Oswald encontrou no início do século passado para se inspirar. Quero dizer que a própria vanguarda de hoje é pior ainda...

No fundo, esta “arte”, bem como as intenções governamentais de melhorar a “auto estima” nacional não passam de mentiras. Mentiras para um país acreditar que ele é mesmo belo, que é grande, mesmo sem estudar, mesmo sem desenvolvimento, mesmo tendo índices de educação e violência muito piores de outros países economicamente mais atrasados do que o nosso.

Mas existe alguma esperança quando se verifica em nível mundial, uma reação, uma revalorização do pensamento clássico/conservador. Pena que jamais chegará ao Brasil, pelo menos enquanto o império da incultura tropicalista mantiver seu reinado.

O que acontece no país é que a hegemonia da visão tropicalista ainda vigente – sem um conservadorismo a atacar – acaba por devorar o próprio rabo. A síntese da falta de uma real cultura de um lado e a elevação de qualquer tosca manifestação ao nível de arte do outro foi a recente turnê européia da “rapper” MC Tati Quebra Barraco: patrocinada por entidades feministas, Tati mostrou o “novo feminismo” nacional com obras (?) do quilate de “Eu tô podendo pagar motel pros homens”, “Sou feia mas tô na moda” e “Dako é bom” (referência de duplo sentido a uma marca de fogões).

Analisando em perspectiva, Oswald errou propositalmente em falar de “antropofagia”. O que importamos da Europa para deglutir não era realmente arte. Não passava de lixo. Então não houve uma antropofagia. E o nível em que se encontra a cultura nacional não se pode mesmo falar em antropofagia, temos que nos referir a ela com outro desvio alimentar/fetichista:“coprofagia”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente! Até que enfim alguém começa a desmascarar com propriedade a farsa da Semana de 22. E isto é de importância primordial. Parabéns ao autor e fica devendo mais!
Heitor De Paola