quarta-feira, novembro 17, 2004

O Pensamento (confuso) do pacifista-mor Dalai Lama



Dalai Lama, supostamente a reencadernação de Buda, o inspirador mundial do pacifismo zen, mostra todo o seu (confuso) pensamento sobre pacifismo, armas, e -surpreendemente - pre-emptive war.
A entrevista foi publicada no penúltimo número da revista Seleções.
Seleções: O senhor tem um animal preferido?
Dalai: Talvez os pássaros. Alimento os mansos. Não sou violento, amas, se aparece um falcão quando os estou alimentando, pego a espingarda de ar comprimido

Seleções: O senhor tem uma arma de ar comprimido?
Dalai: Tenho , mas só atiro para assustar os falcões


Seleções: De quem mais o senhor apreciou a companhia?
Dalai: Vaclav Havel, o papa, Willy Brandt – que aprendi a admirar durante a guerra fria. Apesar das dificuldades ele ganhou a confiança dos líderes soviéticos sem muito prejuízo aos direitos de seu país. É a maneira certa. Defender seus direitos, seus valores, e ao mesmo tempo ser um bom amigo.

Seleções: Alguém mais?
Dalai: O presidente Mao. Nosso primeiro encontro foi formal e eu estava muito ansioso. Depois, poem, nos jantares oficiais, ele me fazia sentar ao seu lado e me tratava como filho, chegando a dar comida em minha boca! Como ele tosia muito, eu tinha medo de pegar uma doença! (risos) Ele dizia que era muito bom eu não fumar. Ele não conseguia parar. Gostei da maneira como admitiu isso para mim e acho que criamos uma bela amizade. Eu também o respeitava muito. Sem dúvida alguma ele foi um grande revolucionário. Mas, ao mesmo tempo, seus modos sempre foram os de um camponês.

Seleções: Há mais de quarenta anos, o senhor foi obrigado a deixar a sua terra natal. Desde então, a cultura do Tibete foi suprimida e muitos tibetanos morreram em fuga. O senhor deve sentir raiva ou ódio dessa situação.
Dalai: Raiva, acho que às vezes. Ódio, quase nenhum. Aprendemos a não sentir isso. Não faz muito tempo conheci um velho monge tibetano que passou quase 20 anos num gulag chinês. Enquanto me falava de seu sofrimento, ele mencionou que enfrentou situações difíceis. Imaginei que fosse algum risco de morte, mas ele explicou que havia enfrentado o perigo de perder a compaixão pelos chineses. Sabia que estava sofrendo por causa de suas vidas passadas, deseu carma. E agora essas pessoas que lhe causavam sofrimento criavam novo carma e teriam de enfrentar conseqüências negativas. E isso é motivo para nos preocuparmos com elas. Conter a raiva não significa ceder. Lutamos por nossos direitos, pela justiça, massem rancor. O verdadeiro sentido da luta sem violência não é só a ação, mas também a motivação . Numa de suas vidas anteriores, Buda, para salvar 499 pessoas, matou uma. Essa pessoa pretendia eliminar e roubar 499 companheiros. Então Buda raciocinou que, se aquele indivíduo fizesse isso, não apenas 499 pessoas morreriam, como aquela pessoa cometeria um pecado. Buda aceitou o pecado de matar uma pessoa e salvar 499 outras, exclusivamente por compaixão.

Seleções: Como monge, que experiências de uma pessoa comum o senhor acha que perdeu?
Dalai: Obviamente perdi esta experiência aqui [ele aponta para a própria virilha e ri].


Comentário: começo a achar que a causa do pacifismo universal a qualquer preço é talvez o que mais tenha afastado o mundo deste objetivo. Quando Dalai fala de Mao, parece que a figura do "presidente" não teve nenhum responsabilidade sobre a violência que se abateu sobre o seu amado Tibete. Dizer sobre Mao que "acho que criamos uma bela amizade" é algo completamente descolado da realidade. Por quê não usou então esta "bela amizade" para evitar o sofrimento e a morte de tantos colegas monges nos gulags? A simpatia com que o Dalai fala de líderes comunistas como Havel e comunistas-ma-non-troppo como Brandt é patética: Brandt ganhou a "confiança dos soviéticos" em meio a guerra fria, num país como a Alemanha Ocidental só queria dizer uma coisa: traição, pois os soviéticos não estavam interessados em "paz mundial" coisa nenhuma.

Apesar de tudo fiquei intrigado com a referência à ação preventiva do antigo Buda, matando um suposto ladrão assassino para poupar a maioria. Não é isso que Bush se propôs nos casos do Afeganistão e Iraque, com a diferença que houveram mais 2.000 mortes a justificá-las?

Pelo menos o Dalai usa arma - de pressão - mas usa. Provavelmente no Brasil teria que entregar a sua arma ao poder público.... Irônico.
Mas fiquei com a - quase - clara impressão de que o representante de Buda que precisávamos para esta época não seria este, mas sim o outro citado pelo Dalai na entrevista.

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