segunda-feira, novembro 05, 2018

Aurora e Tabu

Neste fim de semana, assisti dois filmes. Um deles estava na minha lista por assistir há tempos: “Aurora”( Sunrise) de F W Murnau. O outro foi uma sequência: Tabu, do mesmo Murnau e Robert Flaherty.
Ambos são mudos. Sim, não há diálogos e no primeiro, nem mesmo os personagens têm nomes, mas são fascinantes.
O primeiro traz a atmosfera densa e quase opressora do expressionismo alemão, mas com a inovação de uma câmera que se move, flui por dentro das cenas, bem diferente das estética teatral e claustrofóbica dos clássicos alemães do género.  Mesmo assim, os tons escuros, cenas góticas e loucura acabam por referirem- se ao expressionismo.
O segundo é solar, alegre, quase um documentário no “ paraíso “ de Bora- Bora. Paraíso que se transforma em uma prisão para o casal de protagonistas.
“Aurora” fala de um novo dia. O renascer da vida do homem e como ele quase a perdeu. Começa nas trevas e termina no nascer e renascer.
“Tabu” vai pelo caminho inverso: começa num dia ensolarado em um lugar lindíssimo, numa comunidade que vive feliz e termina em separação e morte.
Olavo de Carvalho, em seu magnífico ensaio- crítica sobre “Aurora” no livro “A dialetica simbólica “ nos chama a atenção para a semelhança da cena de homem com sua amante na beira do lago sob uma lua cheia, com a carta 18 do Tarot, a carta da Lua.
Pois, para minha surpresa, posso inferir que”Tabu” remete à outra carta do Tarot, a de número 20, a do Sol. Nesta carta, abaixo de um sol com cara humana há um jovem casal, quase iguais ao do filme.
Parece-me que, enquanto “Aurora” é uma fábula assombrada em que o personagem principal recupera a sua consciência, o seu eu e consegue contornar  as vissicitudes, algumas de maneira própria, outras com ajuda divina talvez, “Tabu”, apesar do aspecto solar, nos mostra o contrário, a tentativa do casal de enamoradíssima de fugir à sua sina sem no entanto consegui-lo. No final, a mão pesada do destino cobra o preço. A diferença é que em “Tabu” o nosso anti-herói não tem nenhum momento de auto- consciência, de reflexão. Tudo nele é reação impensada, tudo é impulso. Talvez aí esteja chave de entendimento das duas obras: a redescoberta do próprio Eu permanente e como isso muda tudo à nossa volta; no outro, como o impulso, a pulsão sexual somente, o corpo enfim, pode nos tornar de certa forma escravos de nós mesmos. 

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