Este texto é muito bom. Reflete não só 'status quo' do debate das idéias no Brasil mas também o grau de responsabilidade de quem atingiu esta ciência para com o futuro do país (para aqueles que acham que a saída não pode ser somente o aeroporto mais próximo - enquanto há tempo)...
Excelente, Fábio.
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O Medo da Solução - por Fabio Lins
Rio de Janeiro, 12 de outubro de 2006
O brasileiro, no campo político, assemelha-se a um homem encurralado por uma inundação mas que se recusa a subir para as montanhas porque, supersticiosamente, crê que são habitadas por demônios, enquanto ao mesmo tempo, ama vazamentos em represas. A inundação, naturalmente, é a massiva ideologia de dependência do estado, e portanto dos políticos enquanto a montanha é a reforma verdadeiramente liberal-federalista que se faz inevitável para o resgate cívico e moral da cidadania brasileira.
Temos concentrado nossos esforços em compreender o que a esquerda fez para atingir a hegemonia titânica que presentemente possui no campo cultural e político. Sabemos que vêm utilizando articulações nacionais e internacionais escusas, que rouba, mente e calunia. Sabemos que se orienta segundo artífices do engodo como Gramsci e sabemos também que se travestem com ideais de bondade e auxílio ao próximo apenas para obter maior domínio sobre a mesma pessoa que diz ajudar - exemplo maior sendo o sistema de cotas e o voto de cabresto do Bolsa-Família. Aplicam na realidade a fala do demoníaco rei dos duendes interpretado por David Bowie no filme "Labirinto" para seduzir a jovem Sarah: "Olhe Sarah, o que eu te ofereço! Seus sonhos! Apenas me ame, me tema, faça o que eu disser... e eu serei seu escravo!", isto é, prometem atender os desejos imediatos das pessoas em troca da submissão delas à participação em seu projeto de poder. Todo esse conhecimento é importante pois quem não conhece o inimigo não sabe contra quem está lutando. Mas é fundamental compreender também porque o povo brasileiro é vulnerável a esse tipo de ataque e, ao mesmo tempo, porque estamos incapazes de reagir. É fácil culpar a "ignorância" do povo, ou talvez a nossa reconhecida falta de recursos (embora sejamos rotulados como defensores dos "ricos" para fins de aumentar o número de "demônios" na "montanha"). Mas simplesmente constatar isso sem reagir e nem mesmo esboçar uma tentativa é conformar-se com o afogamento. É covardia.
De nossa parte, temos sido covardes. Digo isso, não me referindo aos poucos que têm se exposto na mídia e na internet e pago um caro preço em termos de status e até mesmo de perda de empregos. Mas refiro-me aos milhões de pessoas que concordam com eles e se contentam em ler, constatarem que é correto e apenas murmurar: "É... fulano de tal está certo, mas eu não vou me meter nisso" e, com ar blasé continuam em seu lugar calmamente. É culpa sua, meu caro, minha cara, por omissão, que a coisa tenha chegado a esse ponto. Se não existe um partido verdadeiramente honesto, progressista no sentido verdadeiro do termo, liberal, conservador e federalista oficialmente é porque os milhões de pessoas que acreditam nestes valores no Brasil - e sabemos que existem - se entregam ao canto sedutor: "Me ame, me tema!" e aceitam ficarem parados vendo as coisas acontecerem.
Honestamente, a esquerda deseja seus objetivos muito mais apaixonadamente do que nós e traduz essa paixão em atos. Se professores ensinam o que não gostam ou concordam nas escolas, eles vão processar, lutar para acabar com a carreira da pessoa. Nós nem sequer tiramos nossos filhos da instituição que ensine informações que sabemos erradas ou valores que repudiamos. Eles montam ONGs e empresas para atingir seus fins, fazem contatos internacionais, buscam financiamentos. Nós nem sequer nos privamos de pequenos prazeres em prol de nossos ideais. Devíamos boicoitar programas de TV, jornais, teatro, música, filmes nacionais ou internacionais e shows de artistas que defendem idéias esquerdistas e coletivistas avisando às emissoras, distribuidoras e responsáveis a causa de nosso repúdio, seja por ligação ou divulgação na internet ou jornais. Jamais comprar produtos anunciados por eles e avisar as empresas ou instituições o motivo de nosso boicoite. Nunca comprar produtos cubanos, chineses ou da Coréia do Norte. Não comprar livros, revistas ou qualquer produção de esquerdistas. Jamais apoiar ONGs, por mais nobre que seja a fachada, que sabemos utilizar o belo ideal para financiar valores esdrúxulos. Ao mesmo tempo, indentificar os profissionais e produtos que se identificam com valores liberais, conservadores e federalistas e apóia-los ainda que a qualidade seja ligeiramente menor (até porque deve ser menor por falta de dinheiro e apoio para melhorar). Não precisamos, como eles, recorrer a meios ilegais, ou sermos indiferentes à fonte do dinheiro para que, caso seja ilícita, possamos alegar que não sabíamos. Mas nos tornamos fracos, preguiçosos e inertes. Nossos defeitos sufocam nossas virtudes enquanto as poucas virtudes deles - determinação, amor ao que fazem - potencializam seus defeitos. É no dia-a-dia, no trabalho, em casa, no bairro, no condomínio, defendendo formas de organização verdadeiramente liberais, federalistas e conservadoras que iremos virar a mesa. Sem essa preparação, não haverá ambiente sócio-político que dê embasamento para um candidato que defenda esses valores. Precisamos combater, também, nosso vício de achar que doar dinheiro para uma causa é ser enganado. A esquerda fala mal do capitalismo, mas aceita as doações dos capitalistas de muito bom grado. Nós falamos bem, mas não botamos a mão no bolso. Institutos liberais vivem na pindaíba, organizações religiosas realmente conservadoras também, iniciativas de mídia como o Primeira Leitura falem, outros como o Mídia Sem Másca vivem de sacríficios pessoais, o Partido Federalista em gestação continua em gestação. Simplesmente ninguém apóia ninguém. O nosso orgulho e cabeça-durismo em não nos articular nem entre nós só é comparável em intensidade à capacidade da esquerda de se articular até mesmo com seus inimigos. Verdade seja dita: a hegemonia deles tem menos a ver com a "ignorância" do povo e muito mais com uma grande competência de organização da parte deles (que utilizem essa competência para organizar inclusive coisas iníqüas é de segunda ordem) enquanto nós somos incompententes que se recusam a aprender as lições das derrotas. Só haverá um movimento de reação quando formos um movimento mesmo, o que implica alianças *reais*, *concretas*, *ações articuladas* e não apenas convergências de intenções. Nós somos como um bebê chorão que quer muito uma coisa mas não faz nada; eles são adultos perversos que mobilizam os recursos necessários para atingir seus objetivos.
Sejamos honestos conosco mesmos. No momento, prefirimos sermos esmagados sozinhos do que fazermos concessões para outros grupos para enfrentar o inimigo comum. Apenas reconhecendo isso e mudando a atitude poderemos esboçar reação. Podemos morrer esmagados pela esquerda, imersos na vaidade de sermos mártires da pureza ideológica e da "coêrencia" (entre aspas porque não é verdadeira coerência abdicar de alcançar um determinado resultado em nome de ser fiel ao desejo de obtê-lo) ou sermos um pouco mais humildes e menos utópicos e buscar alianças concretas entre nós ainda que isso signifique fazer concessões.
Quanto ao povo brasileiro, do qual fazemos parte e não podemos abstrair isso, temos que buscar entender porque a conversa mole da esquerda o convence. Alegar sua "ignorância" é ofensivo, inverídico e improdutivo. Muitos dos que militam em nosso campo gostam de falar de "escolhas racionais", a ação humana buscando fazer o melhor a partir do menos, da tendência conservadora do povo em geral, mas simplesmente jogamos tudo isso para o alto e tratamos o fenômeno do sucesso da esquerda como se ele não se enquadrasse nesses termos. *Neste* ponto somos verdadeiramente incoerentes. Se o brasileiro tem feito uma escolha pela esquerda é porque isso lhe parece a opção racional no mercado de posições políticas e a opção que vai lhe trazer maiores benefícios. Eu e você sabemos que uma bolsa de poucos reais não ajuda em nada, mas os valores são subjetivos e quem a recebe, simplesmente, acha que sim. Então para essa pessoa vale apoiar quem diz ser o campeão dessa esmola estatal e vende calmamente seu voto por isso. O voto tem preço? Sim, sempre, mesmo que não monetário, esse é o princípio. Agora, cabe a nós, não apenas deixar claro, mas convencer que entre 80 reais e a possibilidade de se auto-sustentar, não vale receber o primeiro às custas do segundo.
Temos também que partir de um dado da realidade: o povo brasileiro tem os políticos como safados, mas confia plenamente no Estado. Honestamente, acho que é inclusive improdutivo tentar mudar essa perspectiva de tão intricada na alma brasileira que ela está. Sendo assim, todo discurso que valorize o Estado e que aponte o Estado como favorecedor do povo irá *infalivelmente* contar com a simpatia e apoio da maioria do povo. O povo pode conceber "reformas" do Estado, mudanças, moralização, mas nada disso passa por algo que atinja o Estado em si. A formulação tipicamente liberal de "Estado mínimo" soa como uma afronta à alma brasileira, um ataque a uma entidade que se não é boa, foi feita para sê-lo e deve ser "curada" mas nunca "mutilada". Bater nessa tecla é dar soco em cabeça de prego. Esse discurso nunca funcionou e jamais funcionará. Temos que mostrar outro ângulo da coisa. Quanto à percepção da desonestidade crônica dos políticos, à primeira vista, poderia levar a uma indignação que exigisse a diminuição do poder deles. Mas como são espertos, eles sempre colocam essa diminuição do poder pessoal deles como um ataque ao Estado em si mesmo. E entre um político desonesto e um inimigo do sacrossanto Estado, o povo brasileiro não hesita em escolher o primeiro, porque, segundo nossa visão, é uma questão apenas de trocar os pessoas para que o Estado, inerentemente bom, funcione.
A "tradição" do Brasil é o mercantilismo, que nada mais é que o máximo que o projeto socialista já chegou na realidade. É sim cheio de injustiças, privilégios, abusos de poder. Mas é conhecido e por isso confortável. A solução, que é o máximo de separação do poder político e do poder econômico através da não sobreposição do estado no mercado, características das democracias liberais capitalistas, é temida, pois o arquétipo é que "ruim com o Estado, pior sem ele". E é *nesse ponto* que a esquerda faz seu ganho. O povo não quer ser de esquerda. Ele quer seguir essa tradição do Brasil, quer ver o Estado agindo; por isso toda proposta de que o Estado aja menos soa como anátema: se com todas as ações do Estado a coisa já é ruim, crêem, sem elas só poderá piorá. O que a esquerda "pescou" foi atribuir a si mesma o objetivo de "aperfeiçoar" essa relação conjugal estado-mercado tão cara ao sentido brasileiro de identidade nacional e de eficiência do Estado. Se a "direita" mostrar que vai "aperfeiçoar" a relação do Estado com o mercado, e mostrar os resultados positivos de suas reformas, o povo votará nela. O que ele jamais admitirá é qualquer coisa que soe como um ataque ao Estado e "tirar coisas do Estado" como a proposta de "diminuir o Estado" parece, tem, para a mente associativa, o tom de um ataque, uma tentativa de mutilação, de ferimento, de fazer menos e não mais.
Temos que desistir de competir nesses termos e atender aos anseios da população *da forma como eles existem*. Talvez até abdicando dos nomes "estado mínimo", "limitação do estado" se estes possuem percepção negativa. Queremos salvar palavras ou um povo? Queremos que o Brasil se torne emancipado ou a acadêmia liberal? Queremos que o povo perceba que a melhor forma do Estado cumprir suas obrigações é deixando-o o mais impermeável possível ao abuso de poder dos políticos. Que o poder de cometer abusos está diretamente ligado à concetração e centralização deste poder nas mãos de umas poucas instituições e que a melhor forma de o povo poder fiscalizar o político é que as decisões mais importantes para cada comunidade sejam tomadas o mais perto dela possível.
Temos também que parar de achar que as pessoas que se engajam em movimentos e mobilizações da esquerda são "idiotas" úteis. Não. São pessoas que, no mais das vezes, realmente se importam com a sociedade e realmente querem fazer o bem. Só que *realmente*, por uma opção racional, vêem na esquerda a forma mais eficiente de atingir seus objetivos. É responsabilidade *nossa* provar que não. Onde estão as ações liberais na favela para a formação de uma ética empresarial liberal? Enquanto nós falamos para nós mesmos que o valor social do empresário está justamente em gerar lucros, milhares de ONGs estão influenciando milhões de brasileiros a achar o contrário. Eles formam artistas e atletas que se afastam do tráfico por causa dessas atividades e, embora essas atividades convenientemente os mantenham na mesma classe social e ainda dependentes do governo, não deixam de ser uma certa melhoria de vida para aquelas pessoas. E elas serão gratas e adotarão sem mais pensar os valores dos seus beneficiantes. O próprio Cristianismo cresceu em Roma quase que exclusivamente pelo poder de um sistemático, articulado e bem organizado sistema de assistência social. Esse é o caminho. Entrar em massa com programas de seleção e formação de empreendedores. Não apenas serão exemplos de ascenção social, como tirarão seus colegas da situação de pobreza, em uma ideologia de abandono da favela ao invés de cultivo dela. Essas organizações conscientizarão as comunidades, aos poucos, dos muitos entraves que os políticos colocam ao seu próprio crescimento, muitas vezes sob o disfarce de ajuda, e poderão, um dia, articular reações, abaixo-assinados. movimentos sociais, populares e semelhantes. Não apenas a formação de uma cultura empreendedora, mas em paralelo de cultivo da verdadeira inteligência, estudando os clássicos ao invés do compositor popular do dia. Estes serão os indivíduos que em 5 ou 10 anos entrarão nas universidades e substituirão os formadores de opinião esquerdistas que lá se encontram. Em suma, não adianta ficarmos falando que o caminho que temos é melhor. Temos que começar nós mesmos a trilhá-lho e nossos melhores resultados, porque o serão, irão reverter essa percepção do público, pois, de fato, no momento, eles têm que escolher entre os resultados pífios da esquerda e o mero discurso liberal. Entre resultados ruins e pura conversa a escolha racional é naturalmente para os primeiros. Para mudar isso, temos que mostrar *aqui* no meio do nosso público os nossos resultados. Não adianta mostrar que funcionou para "n" países. Nosso povo quer ter certeza que funciona para eles também. E ao mesmo tempo não querem correr o risco de abandonar o "ruim, mas certo" que já possuem para arriscar algo que não compreendem. Temos que nós mesmos assumir os riscos, os sacrifícios e depois divulgar os resultados aos quatro ventos. Em suma, temos que não apenas falar que somos o melhor caminho, mas demonstrá-lo para àqueles que afinal não são nossos inimigos mas precisamente o povo que queremos ajudar.
No filme Labirinto, que mencionei acima, a personagem principal, Sarah, escapa à influência maligna de David Bowie quando finalmente se lembra da resposta correta à frase sedutora: "Por perigos indescritíveis e inumeráveis obstáculos, lutei para chegar até aqui no castelo além da Cidade dos Duendes para levar de volta a criança que você roubou, pois minha vontade é tão forte quanto a sua e meu reino é tão grande quanto o seu. Você não tem poder sobre mim." Essa é a consciência que falta, que não precisamos de nenhum rei, porque podemos superar "perigos indescritíveis e inumeráveis obstáculos" por nós mesmos, nos elevarmos acima da mediocridade de uma "Cidade de Duendes" até um castelo e recuperar a "criança" que o "rei" roubou de nós: nossa liberdade, nossa responsabilidade por nossa própria vida. É vivendo essa realidade, fazendo como Gandhi disse e sendo nós mesmos a mudança que queremos ver no mundo, que um dia assistiremos não apenas nossos companheiros, mas todo o povo brasileiro dizer em uníssono para as idéias esquerdistas, centralistas e coletivistas : "Você não tem poder sobre mim".
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