quinta-feira, julho 14, 2005

A Guerra dos Imundos


...Então eles chegaram. No início causaram algum espanto e até risos. Sua aparência, seus modos, sua fala, remetiam a algo completamente fora de época.

O espanto inicial casou medo e até apreensão. Diziam até que por trás daquela aparência simplória existia grande inteligência.

Muitos duvidavam de sua sobrevivência neste mundo, pois estavam acostumados a uma atmosfera muito diferente da que aqui encontraram. Não eram ameaça alguma.

Outros, no entanto, alimentavam boatos de que eram afeitos a hábitos indescritíveis. Canibalismo, por exemplo.

Mas o tempo foi passando e pouco a pouco eles foram sendo incorporados à paisagem. Tudo estava bem, desde que eles não saíssem de seu habitat natural. Todos os medos iniciais foram sendo dissipados, chegando ao ponto de serem apontados por grandes parcelas da população como exemplo a seguir.

Eram o contraponto a séculos de história de opressão, luta pelo poder e vaidade. Representavam a mudança, a utopia possível. Não eram somente o exemplo a seguir. Eram o próprio futuro.

E uma coisa que o futuro utópico detesta é o passado.

Nos ensinaram então a fórmula para chegar lá: a eliminação gradual e constante do passado, da cultura de nossos ancestrais menos evoluídos, pelo fim de nossa luta darwinista e suicida pela sobrevivência.

E tudo seguia o seu curso normal. A crítica ao passado havia se tornado uma revolta genuína contra o que tínhamos nos tornado. A sociedade estava pronta para a mudança. E ela veio. Os visitantes, numa manobra inédita, começaram a sair dos seus locais habituais de reprodução. Em grande número começaram a se misturar com a população em geral – mas já não causavam espanto, pois já confundiam-se com qualquer terráqueo. Talvez por que nós mesmos já não éramos os mesmos. Mesmo assim, nossos visitantes lançaram um manifesto explicitando suas mudanças. Confirmaram serem somente boatos o que se afirmava a respeito deles e que estavam empenhados a melhorar o que estava aí. Propunham uma convergência de interesses comuns rumo à felicidade.

Ninguém perguntou o por quê deste manifesto ou “carta” ter sido lido ao pé de uma engenhoca com aparência ameaçadora de uns 30 metros de altura. Deveria ser algum dispositivo de segurança pessoal, nestes tempos de desarmamento... A gerigonça, cuidadosamente montada durante o tempo de “quarentena” em seu ambiente inicial se parecia com um grande tripé, movimentando-se rapidamente.

Mas então, sem aviso, vieram os ataques. Dos imensos tripés saíram labaredas de fogo que imediatamente alarmaram toda a população.

O palácio do Alvorada foi o primeiro atingido, logo em seguida o congresso foi transformado em terra arrasada. Tentamos em desespero a ajuda do judiciário. Em vão. Já estava totalmente em ruínas.

Os imensos tripés então avançavam sem qualquer resistência. Metade da população nem sequer notou, achando se tratar de pura piroctenia, uma vez a casa da moeda não tinha sido afetada.

Outros como eu, procuravam algum lugar seguro para se esconder.

Mas subitamente, quando tudo parecia perdido, os imensos tripés pararam. Alguns ainda cambalearam sem direção antes de tombar. Um a um começaram a cair. Como dominós.

No denso silêncio que seguiu à sua queda, saí de meu esconderjo. O sol voltava à brilhar, iluminando os destroços de civilização e dos imensos tripés inermes.

Era o fim?

Algumas explicações foram lançadas pelos cientistas para o estranho fato. Listo aqui as mais significativas.

A) O extra-terráqueos tinha baixa resistência ao germes e bactérias de nosso ambiente. Rastreou-se a origem da contaminação e um provável vetor foi descoberto: o papel-moeda. Como se sabe, o dinheiro é uma das fontes inesgotáveis de contaminação. Neste caso , a contaminação teria acontecido nos corredores do congresso. Ironicamente parece que este foi o motivo da casa da moeda ter sido poupada inicialmente da fúria destruidora. O nome da bactéria foi descoberto: “mensalus_rex”, muito comum nos gabinetes dos congressistas.

b) Outra teoria dizia que o ataque estava condenado desde o início, por total falta de capacidade de organização e gerenciamento de nossos extra-terráqueos. Apesar da alta capacidade de mimetismoe planejamento, não lhes foi desenvolvida qualquer capacidade de execução. Então o plano de ataque fracassou por conta da falta de liderança e empenho, revelada por ordens contraditórias e ações erráticas. Isto deve ter sido acentuado após o triunfo inicial. Houve também denúncias de superfaturamento dos equipamentos, que estavam abaixo das especificações mínimas necessárias para o campo de batalha.

Apesar de tudo, uma pergunta se apresenta: Vencemos?

A única resposta que encontro é outra pergunta: como podemos ter vencido se não lutamos?

Isto significa que o perigo pode voltar a qualquer momento, se é que ele alguma vez tenha partido, pois seus seguidores ainda são muito numerosos. E agora de nossa própria espécie.



Um comentário:

Carl Amorim disse...

Esperamos que estes invasores tenham o mesmo fim daqueles imaginados por H.G Wells.

Pois o inferno tem suas portas abertas e listas atualizadas para uma recepção "calorosa"