Duas semanas atrás, lendo a coluna de Diogo Mainardi, me deparei com o consagrado estilo ácido do autor agora apontando para um alvo menos gasoso do que o governo brasileiro, os impostos ou a sub-cultura nacional. Voltando a falar de gente que, ou está no governo – como foi o caso do memorável texto em “homenagem” ao Ministro Gil – ou que gravita em torno, Mainardi traçou um demolidor perfil do cineasta-e-bulldogue-do-PT Jorge Furtado.
Minha surpresa ficou na reação do homenageado. Lançou uma “nota oficial” (eles adoram isso) esclarecendo que o assunto das “calúnias” de Diogo serão contestadas uma a uma. Mas o pior foi isso: “Informamos que serão processados também qualquer jornal, site na internet, revistas ou quaisquer publicações que, com ou sem autorização expressa do jornalista e da revista Veja, também publicarem o referido artigo, total ou parcialmente.”
Que exemplo de democracia e de tolerância com o “contraditório” - como o partido do cineasta não cansa de bradar aos quatro ventos...
Apesar de ser uma querela menor, o episódio é um eficiente polaroide do comportamento da esquerda nestas situações.
Vamos lá: Jorge Furtado sempre extrapolou seu talento cinematográfico para comentar absolutamente qualquer coisa, especialmente na política. Nos quatro anos de Olívio Dutra ele agiu como um defensor não-oficial do governo do PT. Não se esquivou de lançar as mais descabeladas acusações para defender o “seu” governo. Uma delas fazia crer num complô da Rede Brasil Sul de Televisão (RBS) para “dar dinheiro” para a Ford no início do governo Olívio Dutra (“Não tem precedentes a campanha movida pela RBS para que o governo do estado entregue o máximo de dinheiro público possível para a Ford” escreveu ele.)
O mesmo governo de Dutra usou dos serviços de Furtado também para abrir fogo lateral contra seus críticos (Denis Rosenfield foi um deles como descrito no artigo de Plínio Zalewski - “Faz um mês o PT resolveu desqualificar o Denis. Primeiro colocou o vice-governador[Rossetto] para atacá-lo. Agora, utiliza-se de um patrimônio gaúcho, como Jorge Furtado.”).
Em suma, Furtado nunca se furtou em defender os governos de quem ajudou a eleger, agindo como um cão-de-guarda zeloso de seu dono.
Mas a manipulação não é só uma qualidade do cineasta quando envereda pela política. Ledo engano.
A maior obra do cineasta até agora, aquele que ele constumava se identificar, que lhe deu reconhecimento internacional foi o filme-documentário “Ilha das Flores”. Segundo o próprio crítico Plinio dizia que “No curta que percorreu o mundo e acumulou prêmios, a miséria e indignidade de um ponto esquecido do nosso Estado globalizou-se. Ainda hoje, não há como não lembrar do cineasta gaúcho, quando passamos os olhos pelas imagens da TV ou fotos dos jornais e que nos deprimem com as cenas dos mais de trinta milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da miséria”. “Ilha das Flores” - que mostrava ao final pessoas disputando comida que nem aos porcos era dada – causava a mesma sensação de revolta com o mundo, com a desigualdade do Brasil e é claro, com o capitalismo gerador destas desigualdades.
Bem, podemos dizer que o capitalismo foi mesmo o gerador desta desigualdade, mas por outros meios. Num artigo publicado na Zero Hora do ano passado, abril de 2004, por ocasião dos quinze anos do curta, foi nos revelado que as cenas que causaram tal consternação eram pura farsa!
Além do fato de que “Ilha das Flores” não ter sido filmado na dita cuja, mas na “Ilha dos Marinheiros”, o cineasta pagou o entre R$ 5,00 a R$ 10,00 reais – mais refrigerantes – para os moradores “interpretarem” as cenas que disputavam comida com os porcos. Eles nunca tiveram de de se alimentar das sobras dos suínos. Os moradores só foram saber como foram retratados no filme muitos anos depois, pois nunca viram ou tiveram acesso à obra no cinema. Opiniões bastante fortes reclamando dos efeitos discriminatório e até de atração turística em que foram transformados por causa do tal filme foram relatadas pelos moradores do local. Na matéria, Jorge Furtado apenas deu um habitual “sem comentários”.
Com sua farsa revelada, não havia mais outro jeito. Então lá foi ele – como um criminoso pego com a mão na botija, quinze anos depois – refazer os pequenos danos (e os grandes lucros) que sua câmera acusadora havia causado: uma matéria do observatorio de imprensa divulga “ Furtado retorna à Ilha das Flores, na verdade, à Ilha dos Marinheiros, em Porto Alegre, onde filmou seu curta de 1989, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. Jorge ganhou projeção nacional e internacional - mas o que ocorreu com aquelas pessoas que viviam no limite da exclusão social? Ele destinou parte da verba a melhorias no local - construiu uma quadra de esportes, um prédio com sala de aula e cozinha. E filmou tudo isso, que a comunidade queria (e conseguiu), para expressar a fraternidade.”
Entenderam o que foi descrito com “expressar fraternidade”? Para Furtado, bem como para boa parte da esquerda, o lema de os “fins justificam os meios” ainda é uma realidade. E se os meios forem descobertos? Doe uma cesta básica para os infelizes. Isto ainda pode render divedendos como uma bela reportagem sobre “responsabilidade social”.
Ah! Mas nunca esqueça de processar os desafetos, pois tem de ter ternura, mas sem perder a dureza jamais.
Um comentário:
Luis, você já reparou que a palavra tolerância, hoje, significa, na verdade, repressão? Tente emitir alguma opinião CONTRÁRIA ou QUESTIONADORA com relação aos negros ou índios ou o meio ambiente ou a pobreza. Você já sentiu que não deveria comentar determinado assunto diante de pessoas DE SEU CONHECIMENTO simplesmente porque elas refutariam agressivamente (te desqualificando, inclusive) o seu pensamento que transgride o pensamento hegemônico?
Isso tem um nome. Repressão.
Uma abraço.
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